“É proibido vadiar pelo shopping, sem motivo específico para estar presente”

É o que diz uma das dezesseis normas de um shopping

No DM

O “Código de Conduta para Clientes” do Shopping Nova América, em Del Castilho, na Zona Norte do Rio tem causado polêmica e indignação.

Segundo uma das dezesseis normas que compõe o ‘manual’ para consumidores, pessoas que estiverem circulando pelo estabelecimento sem objetivo definido podem ser classificadas como ‘vadias’ e convidadas a se retirar do shopping. Se não concordarem em sair, podem até ser detidas e processadas por invasão.

Segundo a norma de número 14: “É proibido vadiar pelo shopping, sem motivo específico para estar presente”. O código de conduta está fixado nas paredes dos corredores do estabelecimento comercial.

A jornalista Jéssica Moreira viu o documento quando esteve no local, no último sábado (29) e ficou surpresa com as normas: “Acho natural que o estabelecimento queira preservar a ordem em suas dependências, mas as regras não podem ser tão genéricas. O que seria vadiar, no ponto de vista deles? Acredito que impedir a realização de manifestações que não tenham cunho comercial caso elas não tenham sido autorizadas pelo shopping é antidemocrático”.

Segundo o advogado Anderson Bussinger, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, a norma se refere aos frequentadores de forma preconceituosa: “Essa é uma norma arbitrária. O uso do termo vadiar é absurdo e fere a dignidade das pessoas. Atualmente, os shoppings têm substituído as praças como locais para interação social. As pessoas gostam de ir ver as lojas e passar o tempo nesses lugares. Essas proibições parecem querer definir o que é legal e o que não é, mas não existe um Código Penal de Shopping, que eles parecem querer criar. Vale lembrar que os seguranças desses estabelecimentos não têm qualquer tipo de autoridade policial”.

No documento não consta a data em que o mesmo entrou em vigor, mas o especialista acredita que a norma possa ser uma reação ao movimento popularmente conhecido como rolezinho, em que grupos de jovens marcam, por meio das redes sociais, grandes encontros para passeios em shoppings: “É possível que essa norma pretenda também evitar a prática dos rolezinhos. Neste caso, ela se torna segregacionista, porque quer definir o tipo de público que esses estabelecimentos vão receber, ignorando que ele deve atender a todos os públicos, sem preconceitos”.

Bussinger disse que irá pedir um parecer aos demais membros da comissão para oferecer denúncia ao Ministério Público.

Outra norma bastante polêmica é a de número 12, em que o texto dá margem a várias interpretações. Segundo a norma: “É proibido não estar completamente vestido ou usar roupa que possa provocar algum tipo de distúrbio, ou envolver outros grupos, ou o público em geral em um conflito aberto”.

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Para a professora Hildete Pereira, do departamento de Economia da UFF, a medida tem caráter sexista ao fazer crer que as roupas utilizadas pelas mulheres podem motivar  violência: Essa redação diz que as roupas podem causar distúrbio, mas que tipo de roupa poderia gerar qualquer distúrbio? Em nossa sociedade, a mulher é estimulada a se vestir como objeto de desejo e, quando incorpora esse papel, se torna vítima de violência, passível de punição. Bastaria olhar as vitrines deste mesmo shopping para constatar que papel o consumismo atribui à mulher”.

Bussinger acredita que a norma seria mais efetiva se ficasse explícito qual tipo de roupa não pode ser usada no local. Ele disse que a ocorrência de normas genéricas pode deixar muitas decisões a critério dos donos, sem qualquer fiscalização: “Seria razoável se eles proibissem, por exemplo, o uso de trajes de banho, mas não é isso que acontece. Então, fica uma margem muito aberta para interpretações, e isso dá um poder muito grande ao shopping, porque ele passa a poder definir os critérios baseado no que bem entender”.

Em reposta às críticas e questionamentos, a assessoria de imprensa elaborou uma nota. Confira:

“O Código de Conduta foi elaborado em 2006 e utiliza termos adequados ao período que foi criado. O empreendimento já estuda a revisão do regulamento devido às mudanças no comportamento da sociedade e à necessidade de atualizar a nomenclatura. As normas são válidas apenas nas dependências do mall e são genéricas, cabendo avaliação de cada caso e analise das circunstâncias do ocorrido. O Nova América reitera que o Código de Conduta tem como objetivo proporcionar um ambiente de conforto e bem estar a todos os visitantes e funcionários, além do bom funcionamento do shopping”.

 

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