Revista O Menelick 2º Ato: resgate da imprensa negra em São Paulo.

A ideia de sua criação parte do fundador e diretor Nabor Junior, inspirado em um exemplo inovador na história de resistência e de protagonismo intelectual que marcou o início da Imprensa Negra paulista: o jornal Menelick. (Foto: Divulgação / Site institucional O Menelick 2º Ato) 

por Mariana Grilli, do Afreaka

A imprensa brasileira, de modo geral, costuma não ter olhos para o cenário afro-brasileiro atual. Porém, ao pensar um espaço para o jovem negro do século XXI, nasce em 2007 uma revista de referência: O Menelick 2º Ato. A ideia de sua criação parte do fundador e diretor Nabor Junior, que se inspirou em um exemplo inovador na história de resistência e de protagonismo intelectual que marcou o início da Imprensa Negra paulista: o jornal Menelick, fundado em 1915, na cidade de São Paulo, e que circulou pelo país marcando território como uma das mais importantes manifestações da trajetória do negro brasileiro na luta pela cidadania.

Entre os principais objetivos do original O Menelick estavam a valorização da raça e a divulgação do patrimônio cultural dos negros, além da possibilidade de externar protestos e discussões sobre a inserção do negro na sociedade. O título do jornal de 1915 é uma homenagem de seus idealizadores ao primeiro imperador Menelik I, da Etiópia, único país africano a não ter a sua independência abalada ao longo do período de colonização. Assim, O Menelick 2º Ato é pensado para o jovem orgulhoso da sua negritude e ávido por informações acerca da sua presença no mundo atual. Nas palavras do conselho editorial da revista, ela “nada mais é do que um infinito quilombo cultural contemporâneo, um caldeirão de ideias e informações onde pensadores e protagonistas da produção artística da diáspora africana tem sítio para compartilhar seus traços, laços e desembaraços”.

A princípio, muito em função dos rasos recursos financeiros e também por ainda estar maturando as possibilidades de dar continuidade à trajetória da imprensa negra paulista, Nabor optou por concentrar o projeto em uma plataforma virtual. Porém, transformar o projeto online em um produto impresso seria seguir os passos originais da imprensa negra, e por isso o Menelick 2º Ato passou a ser um produto físico, principalmente no formato de revista e fanzine, distribuído gratuitamente a partir de maio de 2010. Para que a revista seja disponibilizada em eventos culturais, galerias de arte, bibliotecas e zonas de conflito da cidade de São Paulo, o conselho editorial apresenta o projeto aos locais que possuam identificação com os princípios editoriais e que também sejam frequentados por pessoas que se sintam refletidas pelas páginas da revista.

O Menelick 2º Ato é pensado para o jovem orgulhoso da sua negritude e ávido por informações acerca da sua presença no mundo atual. (Foto: Divulgação / Site institucional O Menelick 2º Ato)
O Menelick 2º Ato é pensado para o jovem orgulhoso da sua negritude e ávido por informações acerca da sua presença no mundo atual. (Foto: Divulgação / Site institucional O Menelick 2º Ato)

As capas das edições buscam entender a produção artística do negro contemporâneo no Brasil. Isto é, artistas como Edson Ikê, Urso Morto e Daniel Melim dão cor às coberturas das edições que têm como objetivo chamar a atenção do público utilizando um formato lúdico e os traços da arte contemporânea. Nabor Júnior explica: “costumamos convidar jovens artistas visuais negros para produzirem as nossas capas, buscando sempre dialogar com o hoje, e com o negro de hoje”. Outro diferencial de O Menelick 2º Ato é seu formato físico. O formato dos veículos impressos é dinâmico, adaptando-se ao conteúdo de cada edição. A revista sofre metamorfose e a cada exemplar tem um número de páginas e um tamanho diferente, se adequando à quantidade de matéria que será veiculada. Ao percorrer as páginas de O Menelick 2º Ato, o leitor pode se deliciar com música, teatro, cinema, dança, artes plásticas, África contemporânea, moda, literatura e poesia.

Na editoria “África”, a riqueza de conteúdo espanta – de forma positiva. Cada matéria expõe uma África diferente, um continente de novos horizontes, uma janela aberta que mostra uma paisagem inédita. Em um dos muitos exemplos, podemos mergulhar na matéria “Outra África – Na Terra dos Homens Íntegros”, que faz referência a Burkina Faso. Isto porque, o nome do país (em línguas locais moré e diulá) significa em português “terra dos homens íntegros”. Já na editoria “Especial” é possível conferir um pouco de tudo, desde curiosidades de O Menelick 2º Ato e a data de sua próxima edição até reportagens mais aprofundadas e estudos acadêmicos sobre o negro contemporâneo como o “Sua Propaganda Não Vai Me Enganar”, artigo baseado no livro “O Negro nos Espaços Publicitários Brasileiros: Perspectivas Contemporâneas em Diálogo” de Leandro Leonardo Batista e Francisco Leite acerca da presença do negro no mercado publicitário brasileiro, que utiliza um estudo de 2009, de Carlos Augusto de Miranda Martins, para revelar que entre os 50% de negros e pardos no Brasil, apenas 7% deles estão inseridos nos espaços publicitários.

As capas das edições buscam entender a produção artística do negro contemporâneo no Brasil. (Foto: Divulgação / Site institucional O Menelick 2º Ato)
As capas das edições buscam entender a produção artística do negro contemporâneo no Brasil. (Foto: Divulgação / Site institucional O Menelick 2º Ato)

Nabor Júnior acredita que este tipo de matéria seja indispensável para o leitor de O Menelick 2º Ato para que ele esteja ciente de como o preconceito ainda é velado. Além disso, ele defende que a divulgação da pesquisa abra margem para outro tipo de discussão: o financiamento do racismo institucional. “Atente-se e observe qual a relação da marca que você usa com os princípios étnicos, democráticos e libertários que você defende. Dê preferência a marcas que respeitam as diferenças, que orgulham-se de ter o negro como consumidor”, reafirma.

O pensamento de Nabor pode ser estendido para o conceito geral trazido pelo O Menelick 2º Ato,  escancarando a necessidade de ações que afirmem a autoestima do jovem negro. É fundamental que haja na mídia vozes contrárias ao discurso vigente que introduz na opinião pública reportagens alarmistas, tendenciosas e que não discutem de maneira efetiva os caminhos para um alinhamento social de superação de obstáculos que há séculos circundam a população negra do Brasil. Assim, o trabalho da iniciativa torna-se uma referência na luta, criando e reivindicando um espaço de referências e inspirações vindas de pessoas, teorias e produtos que dialoguem com a questão identitária, repensando de forma inovadora conceitos sobre imagem, afirmação e representação.

Conheça a revista online: http://omenelick2ato.com/

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