Segregação escolar

Estudos revelam mecanismos nas redes públicas que prejudicam alunos mais pobres na procura pelas melhores escolas

por Antônio Gois no Globo

Getty Images/iStockphoto

Um terço dos alunos da rede municipal do Rio muda de escola pública ao longo do primeiro ciclo do ensino fundamental. Depois, ao se formarem nessa etapa, quase todos terão que fazer o mesmo, pois são poucos os estabelecimentos que oferecem também o segundo ciclo. No mundo ideal, essas mudanças teriam pouca relação com a origem social de cada família. Na prática, não é o que acontece, como demonstram estudos feitos pelo Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais da UFRJ.

Essa linha de pesquisas atraiu o coordenador do laboratório, Márcio da Costa, há cerca de dez anos, quando visitava uma escola municipal. Uma assistente de pesquisa que o acompanhava questionou se aquele ele era realmente um colégio público, afinal, mesmo bem próximo de uma favela, praticamente não havia alunos negros. Ouviram então da diretora que ali ela não deixava entrar aluno de favela.

A segregação no Brasil já ocorre quando só famílias com mais recursos matriculam filhos em escolas privadas. As pesquisas do grupo da UFRJ, porém, tratam principalmente do sistema público. Um estudo de Mariane Koslinski e Julia de Carvalho identificou que, na transição de uma escola do primeiro ciclo para outra do segundo ciclo no Rio, havia uma tendência de alunos de famílias mais pobres de continuarem estudando em escolas de menor desempenho, que atendem crianças igualmente mais vulneráveis. Uma das razões que explicavam isso era o fato de muitos diretores trocarem informações entre si sobre o perfil dos alunos, direcionando os de melhor desempenho para colégios igualmente melhores. A segregação, como demonstram Costa e Tiago Batholo em outro trabalho, acontecia em alguns casos até com estudantes de melhor desempenho sendo alocados para o turno da manhã, deixando os mais pobres ou indisciplinados para o horário da tarde.

Ao fazer entrevistas com pais para entender o problema, Costa, em parceria com Ana Pires do Prado e Rodrigo Rosistolato, ouviu relatos como o de uma mãe que contou que só após a interferência de um deputado conseguiu a vaga na escola. Outra reclamou que, por várias vezes, uma funcionária de outro colégio sequer lhe informava sobre datas e procedimentos para matrícula.

A segregação não é privilégio carioca, e outra pesquisa de Costa e Tiago Bartholo revela que os índices são ainda maiores em Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte. No Rio, as conclusões desses e outros estudos têm levado a prefeitura a fazer mudanças no sistema de matrículas. Os pais, por exemplo, passaram a poder indicar on-line uma escola de preferência.

Não existe sistema no mundo capaz de acabar por completo com o problema. Se a escolha couber exclusivamente à família, filhos de pais de menor renda e escolaridade serão prejudicados, pois esses têm menos condições de identificar e viabilizar a matrícula nas melhores escolas (a experiência do Chile evidencia isso). Por outro lado, tampouco funciona alocar crianças de acordo apenas com seu local de moradia. Em cidades com níveis tão altos de desigualdade como as nossas, a tendência é a de criação de guetos, com alunos de áreas vulneráveis condenados a estudar apenas com outros de mesma condição social e nos mesmos estabelecimentos, em geral, de pior qualidade.

O desafio é encontrar um equilíbrio que concilie a justa preocupação das famílias pelas melhores escolas possíveis com uma regulação que evite a concentração de mais pobres nos piores colégios. Não é uma tarefa simples, mas conhecer a fundo o problema é o primeiro passo para enfrentá-lo.

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