Cor e raça dificultam inserção no mercado

A assistente social Silvana Vieira de Oliveira, que atualmente é diretora de uma organização não-governamental (ONG) de Maringá, afirma que sofreu discriminação racial velada, quando procurava por emprego. “Muitas vezes meu currículo era compatível a de outras candidatas, mas sentia na abordagem do empregador que a cor da pele era um obstáculo para a contratação”. Ela também afirma que percebia claramente a preferência por funcionários brancos em estabelecimentos como em alguns bancos e comércio varejista.

Depois de algumas tentativas frustradas, Silvana resolveu prestar concurso e por anos seguiu a carreira pública. Depois graduou-se em Serviço Social e, hoje, ocupa o cargo de diretora de uma ONG. Passado tantos anos, Silvana revela que ainda percebe a surpresa de muitas pessoas quando se deparam com uma negra em um cargo de chefia.

A dificuldade dos negros em ingressar no mercado de trabalho também foi constatada em uma pesquisa de campo, realizada pela mestranda Silmara Nascimento, do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Rafael Silva

Silvana sofreu racismo, mas conquistou o cargo de chefia

A pesquisa abrange todos os estabelecimentos comerciais de dois shoppings da cidade, que juntos contam com 913 funcionários. Destes, apenas 109 se declararam negros, morenos ou pardos, o equivalente a 11,94% dos colaboradores. Vale lembrar que em Maringá os negros e os pardos representam quase 25% dos moradores, conforme dados do Censo 2010.

Segundo Silmara Nascimento, quando os entrevistados (funcionários) foram questionados sobre o grau de dificuldade em conseguir emprego nas lojas, considerando uma escala em que 1 significava “muito fácil” e 10 “muito difícil”, o coeficiente foi de 6,69.

Empregadores

O estudo mostra que 89% dos empregadores entrevistados “concordam que todos os grupos sociais deveriam ter acesso às riquezas e aos posicionamentos políticos e reconhecem ainda que há sim uma diferenciação social que gera desigualdade pela cor/raça”.

Sobre o processo de seleção, a estudante observou que 72% dos empregadores concordam que a análise apenas do currículo do candidato não basta para contratar alguém.

“Tentando identificar quais aspectos são mais relevantes aos empregadores no momento da seleção de um funcionário, verificamos que, além da análise do currículo, a desenvoltura para atuar na função e sobretudo a ‘boa aparência’ são itens relevantes, já que 84% concordam com a afirmação”.

De acordo com Silmara Nascimento, a discriminação racial muitas vezes está disfarçada na ideia da ‘boa aparência’, que valoriza padrões de beleza europeus e tem no branco o ideal estético socialmente aceito.

“Todavia, sabemos que essa ideia trata-se de uma construção histórica e social, que pode e deve ser modificada por meio da ação de cada indivíduo, com o objetivo de alcançar uma real integração entre as diferentes etnias, promovendo uma sociedade mais justa e igualitária”.

Durante o período em que a pesquisa de campo foi realizada (janeiro e fevereiro de 2011), a estudante afirma que percebeu uma forte resistência, tanto por parte dos funcionários quanto dos empregadores, de lidar com as questões raciais, fato este verificado em todo o País.

“O discurso preponderante está predominantemente alicerçado no mito da democracia racial, que opera sobre a noção ideológica da não existência de preconceito racial na sociedade brasileira, assim como afirma o ilustre sociólogo Florestan Fernandes (1972), não contribuindo, portanto, para uma diminuição da resistência do branco à ascensão social do negro e para uma tomada de consciência do negro de sua real situação, incentivando-o à luta por melhores condições de igualdade”.

O estudo, que faz parte da dissertação de mestrado do programa de pós-graduação de Ciências Sociais da UEM, ainda não foi finalizado, porém a estudante disponibilizou os dados à reportagem de O Diário com a autorização da orientadora do estudo, Marivânia Conceição Araújo.

IBGE – Censo 2010

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou no último dia 22 o estudo “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” (PCERP), com informações coletadas em 2008, em uma amostra de cerca de 15 mil domicílios, no Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal. Os resultados só reforçam o que já foi dito: 63,7% dos entrevistados afirmaram que a cor ou a raça influencia na vida. Entre as situações nas quais a cor ou raça têm maior influência, o trabalho aparece em primeiro lugar, seguido pela relação com a polícia/justiça, o convívio social e a escola.

Censo Maringá

De acordo com os dados do Censo 2010, em Maringá, 12.127 pessoas se declararam de cor preta e 78.542, de cor parda. O total, 90.669, equivale a quase 25% da população residente na cidade.

‘Os negros têm se empenhado mais’

Marivânia de Araújo >> Coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afrobrasileiros da UEM

O Diário – Qual a sua opinião sobre o racismo?

Em Maringá se reproduz a discriminação racial existente no Brasil. Embora a população insista em negar que não há preconceito, é importante levantar essa questão para mostrar a verdadeira situação das cidades e do País.

O Diário – Você acha que falta formação profissional por parte da população negra do País e isso dificulta o ingresso no mercado de trabalho?

Pelo contrário. Percebemos que esta população tem se emprenhado mais, no que diz respeito à capacitação profissional. Mesmo os que possuem cargos de apoio estão procurando novos postos de trabalho

O Diário – Qual o principal problema enfrentado pelos negros no Brasil?

A exclusão do mercado profissional, com negros ganhando salários inferiores, ainda é nosso problema mais forte.

Fonte: O Diário

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