SinPsi debate mundo do trabalho de psicólogos negros e forma Coletivo Sindical

“O psicólogo precisa, antes de tudo, se reconhecer trabalhador. O mundo do trabalho traduz a dimensão de classe. Vamos pensar juntos em como trabalhar o fim da discriminação no Brasil, com ações coletivas e tomando um norte político”, afirmou Rogério Giannini.

Patricia Ferreira – SinPsi

“Branco, se você soubesse o valor que o preto tem / Tu tomavas banho de piche e ficavas preto também”. Assim já dizia a canção Que Bloco é Esse?, que em 1975 embalou a primeira apresentação do mais antigo bloco afro do carnaval de Salvador (BA), o Ilê Aiyê.

Pois foi com esse orgulho negro e com a vontade de discutir o mundo do trabalho de psicólogos e psicólogas negros no estado de São Paulo, que aconteceu a “Roda de conversa: Psicólogas (os) Negras (os) e o Mundo do Trabalho”, na sede do SinPsi, na noite de ontem (15/8).

A casa de Perdizes, aos poucos, foi recebendo psicólogos que atuam em áreas diversas, de CAPs a Recursos Humanos. Ao fim do cofee-break, todos se sentaram para assistir ao projeto Nau dos Insensatos, uma série de reportagens produzidas pelo SinPsi. Após a exibição do vídeo, mais gente na casa. Muitos se reencontrando após anos de formados na mesma faculdade.

Todos se apresentaram. Cada um com uma história de vida diferente. A maioria estudou como bolsista, como contou o psicólogo Walter Martins:

“Ainda há falta de estímulo para o negro seguir profissões mais acadêmicas. A própria família da gente orienta a não nos metermos em áreas onde possa haver preconceito. Mas estou aqui, psicólogo formado e atuante, para dividir minha experiência com vocês”, disse Martins, durante sua apresentação ao grupo.

Enquanto o psicólogo falava, todos assentiam. A identificação na trajetória de luta por vagas de emprego foi imediata. Absurdos como pedidos de alisamento de cabelo para a admissão foram citados.

Líder do curso comunitário pré-vestibular União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (UNEAFRO), Douglas Belchior falou da importância da entidade como ferramenta de organização popular.

“Hoje tenho amigos médicos, advogados, psicólogos. Todos negros. Isso é uma grande conquista. Não dá para discutir luta de classes no Brasil sem falar da participação do negro”, afirmou o jovem, fazendo críticas à hierarquia racial imposta no Brasil: “Vivemos em uma sociedade que recusa reconhecer-se mestiça. Há uns que se dizem menos negro, pardos. Quem nunca ouviu alguém se dizendo de cor chocolate?”, provocou.

Todos concordaram com Douglas quando ele afirmou que a segregação e o preconceito, tão insistentes na sociedade brasileira, existem em decorrência do medo da tomada de consciência do negro.

“Identidade de negro é identidade de classe. E isso é necessariamente a revolução. Mas qual elite gosta de revoluções?”, questionou.

Também convidado para o evento, o presidente do Instituto Sindical Interamericano Pela Igualdade Racial (INSPIR), Ramatiz Jacino, fez um breve apanhado sobre os 14 anos de militância no movimento negro. Professor de História, Ramatiz exaltou o papel da pesquisa e da formação em questões raciais.

“Estamos aqui para falar do mundo do trabalho para o psicólogo negro. E dados comprovam que o preconceito vem em forma de salário reduzido para o trabalhador negro. Isso é muito sério. Trata-se de discriminação palpável”, enfatizou, citando pesquisa do DIEESE, que mostra, em uma ponta, o homem branco com salário de R$ 1534 e, em outra, a mulher negra recebendo R$ 558.

Mas engana-se quem pensa que só havia negros na roda de conversa. A baiana Marília Fernandes, branca de olhos azuis, falou sobre seu engajamento e identificação com a cultura e a luta negras.

“Sempre me interessei pela causa. Cresci e vivi num lugar que respira a cultura negra. Acredito que não há mesmo brancos no Brasil. Somos todos mestiços. Estou contente por poder estar aqui”, disse.

Outro não-negro presente, o ex-presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) Gabriel Medina levantou questões como a violência policial sofrida por jovens negros na periferia de São Paulo.

“É uma violência permitida, pois a imprensa não noticia e os governantes nada fazem. Vocês podem ter certeza que ao ser parado pela polícia em blitz, com amigos negros no meu carro, o tratamento dado a mim, que sou branco, é incrivelmente diferenciado”, denunciou Medina.

Coletivo Sindical

O debate passou pela lei 10.639/2003, que obrigada a inserção de História da África e da Cultura Afro-Brasileira nas escolas, e pela teoria europeia da eugenia, que defendia a superioridade da raça branca e teve seguidores ilustres, como o escritor Monteiro Lobato.

A política de cotas para ingresso nas universidades e escolas técnicas federais, recentemente aprovada pelo Senado Federal, também ganhou espaço nas discussões. Bem como a questão da empregabilidade. É comum o negro ingressar na universidade pelo sistema de cotas, se formar e depois ter dificuldades para conseguir emprego. Quando consegue, na maior parte das vezes é para ganhar menos do que um psicólogo branco ganharia na mesma função, como exemplificou Ramatiz.

O grupo avaliou o quanto foi introjetado no negro a questão da eugenia, a desvalorização da raça. Muitos reconheceram as dificuldades até mesmo de serem aceitos por pacientes que esperavam outra representação de escuta, um atendimento branco mesmo.

Para avançar nas propostas e buscar soluções para a questão racial, foi confirmada a formação de um Coletivo Sindical, que se reunirá quinzenalmente. O próximo encontro acontece dia 29 de agosto, às 19h, na sede do SinPsi – Rua Aimberê, 2053, em Perdizes.

Rogério Giannini, presidente do SinPsi, lembrou que o negro traz consigo a questão da classe.

“O psicólogo precisa, antes de tudo, se reconhecer trabalhador. O mundo do trabalho traduz a dimensão de classe. Vamos pensar juntos em como trabalhar o fim da discriminação no Brasil, com ações coletivas e tomando um norte político”, orientou.

Ao final, a diretora do SinPsi Cátia Cipriano, psicóloga negra e idealizadora do encontro, estava surpresa com o entrosamento do grupo.

“Tivemos participantes com muito conteúdo questionador, com saberes diversificados. As propostas que saem hoje daqui vão trazer encontros cada vez mais ricos. Ainda mais agora, que seremos um Coletivo Sindical”, analisou.

Se o Ilê Aiyê começou fazendo carnaval e hoje é patrimônio cultural baiano e grupo de luta pela valorização e inclusão da população negra, psicólogos podem fazer muito também pela causa negra. A partida já foi dada.

 

Fonte: Cut

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