Na UnB, indígena vence estatísticas e se forma em Medicina

Apenas 1% da população de origem indígena está no ensino superior. Josinaldo conta como venceu dificuldades

Priscilla Borges

Foto: Alan Sampaio

Josinaldo da Silva, de 35 anos, é um caso raro entre seu povo. Faz parte de uma minoria de indígenas que estudou e chegou à universidade. De acordo com o último Censo da Educação Superior divulgado pelo Ministério da Educação, de 2011, havia 9.756 indígenas matriculados no ensino superior, o que 1,08% da população indígena do País.

Da tribo Atikum, do sertão central de Pernambuco, Josinaldo saiu para cursar Medicina na Universidade de Brasília (UnB) em 2006. Entrou pelo sistema de cotas para indígenas, que, além do benefício para conquista da vaga (há um processo seletivo exclusivo para eles), dá bolsas de permanência aos selecionados pagas pela Funai.

Antes de chegar à universidade, a trajetória escolar de Josinaldo não foi fácil. Como a maioria dos indígenas, demorou a concluir o ensino fundamental e o ensino médio.

Na aldeia só era possível concluir a 4ª série do fundamental. Ele passou cinco anos sem estudar, trabalhando nas lavouras com o pai. Conseguiu terminar o fundamental num quilombo vizinho. Para garantir um diploma da educação básica, precisava se deslocar 48 quilômetros da aldeia. Já cansado da rotina, decidiu encarar um supletivo, que terminou em 2003, aos 26 anos. “Na minha época, tinha de ter muita força de vontade para estudar. Não tinha oportunidade na aldeia, a gente não tinha dinheiro para estudar na cidade”, diz.

A partir de 2008, ele conta que a aldeia – que tem diferentes vilas e abriga 6,5 mil habitantes – ganhou um colégio para todas as etapas da educação básica.

Vencer as barreiras para chegar ao ensino superior parecia uma tarefa impossível para Josinaldo. Ele lembra que os homens não sonhavam com os estudos, apesar da vontade. O índice de analfabetismo entre seu povo era alto. “Mas a gente ainda precisa provar que escola de índio não tem qualidade inferior, isso é muito ruim”, diz.

Josinaldo começou a trabalhar como agente de saúde na aldeia quando se encantou pela área. Queria aprender mais sobre cuidados de saúde e proporcionar uma vida melhor ao seu povo. “Eu pensava em Medicina para dar uma contribuição maior, já que não tínhamos médicos indígenas, que entendessem os costumes. Mas achava impossível”, conta.

Cotas, o incentivo

Por isso, fez vestibular para Matemática em uma faculdade particular em Belém de São Francisco, em 2004. Dois anos depois, ficou sabendo do vestibular exclusivo para indígenas criado pela UnB, tão distante de sua cidade natal em Pernambuco. Decidiu arriscar, sem acreditar que pudesse ser capaz de conquistar a tão sonhada vaga em Medicina.

Ao ser aprovado no vestibular para a UnB, Josinaldo mudou a vida por completo. Viajou para uma cidade distante do povo, sem dinheiro no bolso (apenas com a promessa de apoio da universidade e da Funai), enfrentar a saudade da família e da comunidade e os desafios escolares que apareceriam ao longo do curso.

“Somos muito ligado a tradições, à nossa comunidade. Ficar sem esse apoio foi muito difícil. Só visitava a família a cada seis meses”, recorda Josinaldo. Colegas que vieram de outras tribos acumularam reprovações nos primeiros semestres. Ele, menos. Mas as dificuldades para se manter dentro e fora da universidade quase o levaram a desistir.

Os indígenas chegaram à UnB sem que ela estivesse preparada. Cursos de nivelamento em biologia e química para ajudar esses alunos só foram criados depois. As monitorias, também. “Passei por muitas situações de ficar sozinho, sem grupo para fazer um trabalho, por exemplo. Mas fiz amigos. Poucos, mas de verdade”, diz.

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Foto: Alan Sampaio

Este ano, Josinaldo se formou, após quase sete anos de graduação. Feliz e realizado, ele conta que foi aprovado em um programa de residência médica em Medicina de Família. Trancou o curso para participar de outra iniciativa nova do governo federal, o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab).

Ele passará um ano em especialização na Atenção Básica, trabalhando em uma comunidade carente, no interior de Goiás. A formação contribuirá para que ele aprenda mais sobre o serviço que desenvolverá na própria aldeia. Depois, espera concluir a residência de dois anos em Medicina da Família e, aí, voltar para a comunidade.

“Meu povo precisa de mim e me sinto um vitorioso. A formatura foi uma felicidade. Trinta pessoas da família vieram. Eu consegui que meu diploma fosse entregue pelo pajé da minha tribo, já que os filhos de médicos podem receber o diploma dos pais médicos. E troquei meu capelo por um cocar. Todo mundo aplaudiu de pé, foi emocionante”, conta.

 

 

Fonte: iG 

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