“O negro pobre é discriminado duas vezes”

Raimunda Luzia de Brito sofreu a primeira discriminação aos nove anos

Ela participa do movimento negro desde 1.982, já sofreu muita discriminação por ser preta, mas não se intimidou e foi à luta. Aos 74 anos de idade, ocupa o cargo de Coordenadora Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso do Sul. Na entrevista especial dessa semana, o Jornal do Povo conversou com a professora, doutora Raimunda Luzia de Brito, que esteve na semana passada em Três Lagoas participando da II Conferência Municipal da Igualdade Racial. Ela nasceu no Distrito de Piraputanga,  em Aquidauana- MS.

Jornal do Povo – Quem é a professora Raimunda Luzia de Brito?
Raimunda– Sou mulher, negra, com 74 anos de idade e que sofreu a primeira discriminação racial aos nove anos, na escola onde estudava o terceiro ano primário.  Meu avô me incentivava muito e devo a ele grande parte do que sou hoje. Lecionei no curso de Serviço Social da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) por 29 anos.
 
JP– Qual a sua formação?
Raimunda – Sou assistente social, advogada, mestre em serviço social e doutora em ciências da educação.
 
JP – Como foi o convite para a senhora assumir a Coordenadoria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Cppir) de Mato Grosso do Sul, e há quanto tempo está à frente desse órgão?
Raimunda -Sou militante do movimento negro desde 1982. Sempre estive à frente das reivindicações da população negra, me colocando como mulher negra muito antes de saber o que era militância. Quando fazia o curso de Serviço Social no ano de 1.957 já discutia os problemas sofridos pelo meu povo, o negro. Para exercer o cargo de Coordenadora Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial, fui convidada pelo governador do Estado[André Puccinelli] e assumi em outubro de 2007. Sempre recebo correspondências e convites de outros estados para falar sobre a questão racial, daí o nome já ser conhecido. Fora do Brasil já fiz palestras em universidades de Madri e Salamanca (Espanha), em Maputo (Moçambique) e em Assunção (Paraguai). Também tenho artigos publicados na Universidade Complutense de Madri e em revistas e livros no Brasil.
 
JP-O que representa para a senhora, uma mulher negra trabalhar em um órgão que trabalha para a Promoção da Igualdade Racial?
Raimunda- Para mim representa o respeito à negritude.  Poderia ser outra pessoa, negra ou negro, mas alguém que falasse em nome do nosso povo.
 
JP– A senhora acha que já houve uma evolução no país e, em Três Lagoas, em relação à igualdade racial?
Raimunda– Já houve sim, só que ainda muito tímida.  Ainda não vemos nos órgãos públicos e/ou particulares muitas caras pretas em altos cargos e, em Três Lagoas não foge à regra.
 
JP– Qual é a opinião da senhora em relação à questão da cota racial? A senhora defende por quê?
Raimunda – Sou a favor das cotas.  No início falei que fui discriminada na escola por ser preta. A maioria das crianças negras abandona a escola por causa dessa discriminação.  O que hoje está causando tanta discussão, com o nome de bulliyng, os negros/as já sofrem há muito tempo. As cotas dão a oportunidade dos negros conseguirem cursar uma faculdade de qualidade.  E, mesmo assim, ainda há professores e alunos que desqualificam o negro em sala de aula. Não é verdade que o acadêmico negro tem as notas mais baixas.  A Profª Dra. Maria José Alves Cordeiro (Maju) da UEMS de Dourados, tem um trabalho publicado onde mostra que o aluno cotista negro está no mesmo nível que o aluno branco. Minha opinião é que as cotas devem vigir por 50 anos (mínimo) e já se passaram 10 anos.
 
JP– A discriminação com o negro ainda é grande em nosso país e, em nosso Estado?
Raimunda– Só para você sentir, aqui, nos shoppings é raro vermos vendedores negros.  Vemos muitos seguranças, ou seja, o negro ainda não está no primeiro escalão.
 
JP – A senhora acha que um dia teremos um país sem discriminação racial? Pode levar muito tempo para isso?
Raimunda – Acredito que sim, afinal a esperança é a última que morre. O negro tem que aprender mais a usar sua qualificação para reivindicar os espaços e, não conseguindo, usar até a força da lei para conseguir. 
 
JP – Um vereador sempre comenta que, no Brasil a discriminação é com o pobre e não com o preto. Segundo ele, basta ser pobre para ser discriminado, o que a senhora pensa disso?
Raimunda – Pode dizer ao nobre vereador que quando jovem ouvi muitas vezes o seguinte: “Com tanta menina branca precisando de trabalho, você acha que eu daria vaga a uma negra? É claro que o pobre tem que se qualificar, mas entre o pobre branco e o pobre negro, o branco é quem fica com a vaga. Digo também que, o negro pobre é discriminado duas vezes.
 
JP– O salário de uma pessoa preta é diferente de uma pessoa branca, pode haver essa diferença salarial devido à cor da pela?
Raimunda– Segundo o DIEESE, a escala de salários nas empresas é: Homem branco, mulher branca, homem negro, mulher negra.  Os demais casos são os excepcionais, não constituem a regra. Repito, o negro pobre é discriminado duas vezes.
 
JP– O próprio negro tem preconceito de si mesmo?
Raimunda– A escola não ensina às crianças a igualdade de direitos e, que todos devem ser iguais, pois são filhos do mesmo Deus. Quando a diretora e as professoras da escola onde estudei me chamavam por apelidos depreciativos o que dizer dos alunos?
 
JP – Qual o recado que a senhora deixa para a nossa população em relação a essa questão da igualdade racial, para que não tenhamos mais preconceito?
Raimunda – O recado que deixo é que todos devemos nos ver como pessoas filhas do mesmo DEUS e moradoras do mesmo “orbe”.  Também já vi muita gente daí de Três Lagoas que eram muito ricas e ficaram pobres.  Quem sabe o dia de amanhã?
 
Por:Ana Cristina Santos
Foto: Arthur Freire/JP
 
Fonte: Jornal do Povo 

+ sobre o tema

para lembrar

Professores alegam que UFRJ não cumpriu cotas em concurso para professor do IFCS

Cotas na UFRJ Um grupo de professores universitários (de USP,...

Aberta inscrições para 2º Concurso de Pesquisa sobre Cultura Afro

Estão abertas até 1º de novembro as inscrições para...

Reitores de universidades federais da Região Norte pedem programa para atrair e fixar doutores

Brasília - Reitores das universidades federais da Região Norte...

Ministra participa de debates sobre igualdade racial em Belém

Programação será promovida nos dias 27 e 28 de...
spot_imgspot_img

Geledés participa do I Colóquio Iberoamericano sobre política e gestão educacional

O Colóquio constou da programação do XXXI Simpósio Brasileiro da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), realizado na primeira semana de...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=