A roupa como manifestação simbólica de opiniões libertárias

Por: FÁTIMA OLIVEIRA

 

Da minha Escola Rural Humberto de Campos, nas brenhas do sertão, ao último ano da escola normal (magistério), em São Luís do Maranhão, usei uniforme: sapatos pretos, meias brancas, blusa branca de tricoline de mangas curtas e saia azul pregueada, que cobria os joelhos. No ginásio, além do uniforme comum, chamado de “farda”, havia o de gala: a mesma saia azul pregueada, sapatos pretos e meias brancas, porém a blusa branca era de uma seda de nome “langerie”, de mangas compridas, abotoaduras e luvas brancas! Pense no calor do Maranhão no desfile do Dia da Pátria em uniforme de gala e de luvas!

Chamam-se uniforme porque visa a uniformizar as pessoas e farda porque identifica quem a usa. Não se podia ir “fardada” a alguns lugares para não “manchar” o nome da escola. Muitas proibiam que após as aulas fôssemos uniformizadas ao cinema! Era um tempo em que o máximo tolerável de transgressão de adolescentes contemporâneas da “juventude transviada” era encurtar a “saiona” do uniforme para ficar com aparência de minissaia: diminuindo na bainha ou enrolando o cós. Era preciso muuuuita coragem, porque a repressão era certa.

Naquela época, no ginásio e científico, magistério ou clássico, havia nas escolas femininas uma mulher e, nas masculinas ou mistas, um homem ou uma mulher que “tomava conta” de cada sala, exercendo a função de inspetoria – e o que mais faziam era mandar limpar o batom! Chamava-se bedel. Parecia ter mil olhos. Era ver uma saia curta e nos levar à secretaria, onde o sermão sobre o pudor indispensável às moças de fino trato era a coisa mais certa do mundo. Uma senhora descompostura, que poderia gerar de advertência por escrito até suspensão das aulas por alguns dias! Em alguns colégios, a reincidência na “saia curta” valia expulsão sumária!
Era infernal, pois 1968, ano em que concluí o ginásio, marca o ano da criação da minissaia, cuja reputação era bem rasteira: “Na França, foi responsabilizada pelo aumento dos estupros. Na Grécia, apenas as turistas podiam usá-las. Na África, levou a culpa pela falta de chuvas”. O crédito da invenção da minissaia em geral é dado à modista britânica Mary Quant. Há quem diga que quem a inventou foi o estilista francês André Courrèges, ao que Mary Quant retrucou: “A ideia da minissaia não é minha nem de Courrèges. Foi a rua que a inventou”.

Na universidade, quando ainda não frequentávamos hospitais, o uniforme era também azul e branco: camiseta branca, calça Lee e sandálias franciscanas. O campus inteiro se vestia assim. Estudantes de medicina usavam bata branca por cima da camiseta, obrigatória para aulas nos laboratórios de anatomia, histologia e fisiologia.

No campus, também vislumbrávamos uns rasgos de “peruíce”, porém raros. Via de regra as estudantes de medicina primavam por um estilo básico, fazendo jus à antiga piada: “Deus perguntou: quer ser bonita ou quer ser médica?”.

Usávamos uma antimoda confortável e estilosa – a calça Lee era importada e custava os olhos da cara – que refletia que o vestir, a moda em si, fala. Pois aquela roupa, que tipifico como “desleixo chic”, simbolicamente emitia uma opinião: estar na universidade era ter conquistado asas e, com elas, conquistaríamos o mundo, e todos os lugares, legitimamente, nos pertenciam; e que “meninas” da geração minissaia, a mesmíssima que desfraldou as bandeiras da liberdade sexual e reprodutiva, tomando a “pílula”, poderiam sonhar com a Presidência da República. E chegar lá!

 

Fonte: O Tempo

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