“Estamos cansados de saber que, nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro, do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles.” – Lélia Gonzalez. Mulherio, 1982.
Não é de ontem que o Brasil sofre em larga escala com o racismo e o machismo. Se hoje por um lado a taxa de feminicídio no Brasil afeta 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, por outro, quando falamos das mulheres negras, 68,8% foram mortas por agressão, tendo assim, duas vezes mais chances de serem assassinadas do que as brancas – segundo dados do Ministério da Justiça, 2015.
Mas estatísticas são apenas dados que escancaram ainda mais a realidade da discriminação vedada no Brasil. No trabalho, na rua, em casa e principalmente nas escolas, cada mulher negra sente estes dados materialmente. Seja diretamente ou indiretamente, o racismo está presente como herança colonial.
Falando em escola, quantas das mulheres negras conhecem a lei 10.639/03; “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.“? Talvez, a mesma quantidade que conhece sua história, aquela que não é contada nos livros da escola. Acreditem, os negros tem uma cultura muito mais diversa que uma aula
de 50 minutos falando sobre a escravidão.
A escola pública, principalmente, deveria ter como objetivo baixar essas taxas alarmantes. Assim como, obrigatoriamente, exercer em seu dia a dia formas de precaução contra o racismo e o machismo, mas ao contrário, nem quando existem um racismo e machismo declarado, elas lidam com sensatez. Afinal, em um país democrático SOMOS TODOS IGUAIS!
E aliás, somos tão iguais que atualmente de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras – segundo Atlas da Violência 2017 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Que negros são 54% da população, mas sua participação no grupo dos 10% mais pobres do país é de 75%. Somos tão iguais que pouco importa se a Reforma do Ensino Médio vai impossibilitar ainda mais que os jovens negros, e principalmente as mulheres negras, tenham tempo disponível para trabalhar e complementar sua renda familiar. Como as escolas sem estrutura alguma, sem merenda, sem material, com salas cada vez mais reduzidas, verba congelada por 20 anos, etc, conseguiram
arcar com uma jornada integral e cursos técnicos?
Hoje, nas escolas públicas brasileiras enxergamos uma desigualdade imensa, mas o abismo que se aproxima é tão alarmante quanto ver que fora estão a maioria dos estudantes negros, e nas escolas os negros estão na terceirização da merenda e da limpeza. E também, nos números de desempregados, representando 14,4% entre negros e 14,1% entre pardos, maioria nos números de encarcerados e nos números de assassinato pela PM, onde bala perdida continua tendo etnia e classe certeiras.
Fato é, que enquanto as instituições que constroem conscientemente o caráter social das massas não entenderem como sua obrigação lidar com gênero, etnia e sexualidade e adotar planos reais e educativos para conscientizar sobre racismo, sexismo e homofobia, continuaremos tendo aumento não só na radicalização conservadora, com figuras como Bolsonaro e Projetos como o ‘Escola Sem Partido’, mas as suas taxas irão continuar aumentando e os negros e mulheres morrendo.
Abaixo, reproduzo dois relatos de jovens negras:
“O racismo na escola é todo santo dia; de piada com os alunos, com os professores ou até com as cozinheiras. O racismo é velado e nunca trabalhado, ou conversado seriamente. Já vi professor de história dizer que não falar sobre os negros, pois não é tão importante, porque não cai no Enem. O racismo, quando é dito óbvio, sempre vem com a frase ‘somos todos iguais’. Não nos ensinaram sobre o genocídio da juventude negra, solidão da mulher negra, entre outros ascos unos importantes para a população negra. Se não aprendermos na marra, a gente aprende sofrendo, e não
sabe se defender, apenas abaixa a cabeça pro racismo, como se aquilo não nos machucasse. Nos negros, nosso sofrimento, nunca foi levado a sério. E nunca será. Não pelos racistas. O que quero dizer, é que se não tivermos representatividade, não tem como ficarmos felizes, sendo que só nos passado que nossos ancestrais foram SÓ escravos, sendo que eram pessoas escravizadas, eram reis rainhas, tinham uma vida, uma cultura. Se nós não aprendermos sobre isso, simplesmente não tem como a gente se amar e se orgulha de ser negro. Por isso levo uma frase comigo: ‘Eles acabaram com Palmares, mas nos faremos Palmares de novo’. ” – Brenda Rocha, estudante de escola pública em Campinas.
“ Durante todo meu tempo de escola me foi negado a história dos negros e indígenas. Ou se falavam, era apenas sobre uma breve história da escravidão e o desprezo ao canibalismo dos indígenas. Sem aprofundamento, sem cultura, sem humanidade. Nos casos de racismo, tudo era por baixo dos panos, não era racismo.
Até as “brincadeiras” de criança eram apenas brincadeiras, mas doía. Inclusive, houveram situações que fui acusada, sem qualquer evidencia, de usar drogas ilícitas na escola ou até mesmo de roubar um celular, apenas usando o “argumento” de ‘mas olha sua cara’. Hoje entendo que aquilo que passava, e ainda passo, tanto na escola quanto com os amigos é sim racismo, e por isso, acredito que deve ser sim conversado e aprofundado. Infelizmente, mesmo após ter acabado os estudos, ainda
ouso relatos que tudo continua como antes. ”– Nicolle Karine, ex-
estudante de escola pública em Campinas