“As pessoas são o que são e têm o direito de procurar ser felizes” por Edith Modesto

Acompanhe a entrevista concedida por Edith Modesto, responsável pelo Grupo de Pais de Homossexuais:

Os pais estão mais preparados para aceitar um filho homossexual que há 20 anos, quando a senhora passou pela mesma situação? Por quê?

Resposta: Infelizmente, não é bem assim. Os pais continuam com muita dificuldade de aceitar que os filhos são diferentes do que lhes foi internalizado como normal, positivo. Há como um contrato social que as pessoas devem ser heterossexuais e, quando não são, é como se tivessem cometido uma traição à família. É ainda muito difícil para os pais e família e continuam muito poucos os pais que aceitam rapidamente.

Eu costumo dizer que há 3 muros principais construídos pelo preconceito, em processo de desconstrução: o muro social está bem abalado, embora não em ruínas; o muro escolar só balançou; o muro doméstico, continua praticamente intacto.

Ainda é muito difícil para os pais saberem da homossexualidade de um filho. Se for transgeneridade (questões de identidades de gênero), então, nem se fale!

A descoberta de um filho homossexual pode abalar uma família? De que forma?

Eu trabalho com esse estremecimento da dinâmica familiar todo o tempo. Um filho homossexual pode estremecer os vínculos conjugais; claro que não era um casamento bom, mas é como se fosse a gota d”água. Por outro lado, um filho homossexual pode unir a família para sempre, pois ela se une para enfrentar a dificuldade e ninguém mais separa seus membros.

Como saber se o seu filho é gay? Há alguma mudança em seu comportamento?

Geralmente, os filhos dão indícios e muitos, mas seus pais não conseguem percebê-los. Quando percebem é ótimo, pois o processo de aceitação já se inicia, mesmo antes de saberem conscientemente que o filho é gay.

De que forma aproximar-se e incentivar que ele se abra? Tentar conversar sobre o assunto ajuda? Qual o momento certo?

Se a dinâmica familiar é boa, se o vínculo entre mãe e filho foi bem construído, ele falará com sua mãe. Se não falar nada, é porque ainda está lidando com o seu próprio processo de autoaceitação, ou porque não tem segurança do amor de sua mãe.

Essa aproximação é mais comum com a mãe ou com o pai? Por quê?

Tratando-se de filhos homens, a aproximação mais comum é com a mãe. Quando é uma garota, varia muito.

É comum os pais não quererem enxergar e até tentar fugir da realidade? Por quê isso ocorre? Medo de se machucar ou preconceito mesmo?

Não é que os pais não querem enxergar, eles não conseguem enxergar, pois foram preparados sócio-culturamente para ter filhos heterossexuais. Pra eles, é uma realidade muito longínqua, não faz sentido.

Qual a reação mais comum dos pais após tomar conhecimento da orientação sexual do filho? E no caso da senhora como foi?

A minha reação foi péssima e hoje ainda há pais cuja reação é péssima. Há um conjunto de sentimentos negativos poderosos, que fazem os pais sofrerem muito: decepção, tristeza, desespero, culpa, vergonha, medo, etc. etc.

O que fazer para que os pais aceitem a situação?

Depende muito do tipo de família. Não há uma fórmula mágica, uma receita de bolo… Cada família é diferente da outra.

Como ajudar o filho a enfrentar o preconceito (em casa e na escola, cursinho ou faculdade)?

O amor sempre vence e a mãe, depois que supera suas dificuldades, dá apoio a seus filhos em todas as situações.

Essa opção deve ser partilhada às demais pessoas como outros familiares e amigos, por exemplo, ou deve ficar restrita ao lar?

O processo começa com mãe e pai e continua em fases, dos parentes aos amigos, etc. Espera-se que os jovens não precisem esconder que são homossexuais, do mesmo modo que os heterossexuais não precisam esconder que são heterossexuais, mas também não são obrigados a dizer seu tipo de orientação sexual. Aliás, as mais modernas pesquisas sobre sexualidade aboliram essas caixinhas.

Ser gay não é uma opção. A senhora pode explicar melhor isso? Isso também vale para lésbicas, bissexuais e transexuais?

Um gay escolhe tanto ser homossexual, quanto um hétero escolhe ser heterossexual. As pessoas são o que são e têm o direito de procurarem ser felizes.

A senhora revela em seu livro “Mãe sempre sabe?” que ao saber que seu filho era gay passou por um período de luto. Por quê?

O luto é uma das fases pelas quais as mães passam no processo de aceitação de filhos homossexuais. A mãe amava um filho heterossexual e esse tem de morrer para que renasça o verdadeiro filho (gay ou lésbica), parodiando o mito da Fênix.

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