O escritor João Paulo Cuenca escreveu artigo sugerindo que nossa sociedade assuma seu consumo de drogas: “Quanto mais usuários saírem do armário, mais a sociedade terá que encarar o uso de drogas recreativas com normalidade – ou ao menos como um problema cuja solução passa longe do fuzil e da prisão”. Para o autor: “a política de repressão falhou no mundo inteiro. (…) o custo social do combate armado às drogas é infinitamente superior ao custo de lidar com o uso regulamentado e legalizado dessas substâncias”
Do Brasil247
O escritor João Paulo Cuenca, em sua coluna na Folha de S. Paulo, sugere que nossa sociedade deva abrir as portas do armário do consumo de drogas: “Imagine uma campanha que revele às senhorinhas eleitoras de Telhada ou Bolsonaro que seus ídolos, galãs e mocinhas das novelas, são maconheiros –e que tudo bem, levam suas vidas e decoram os textos normalmente. Ou o poder que teriam declarações de compositores, gênios da música brasileira e ídolos populares ao admitir que nas últimas décadas ingeriram consideráveis doses de cocaína e todo tipo de bolinhas?”.
“É fato que seres humanos consomem drogas desde a Idade da Pedra. É fato que a recente política de repressão falhou no mundo inteiro. Trata-se de uma das grandes tragédias do século passado que se arrasta por este: o custo social do combate armado às drogas é infinitamente superior ao custo de lidar com o uso regulamentado e legalizado dessas substâncias. A guerra não apenas não reduziu o número de usuários como matou mais do que qualquer droga seria capaz”.
Para Cuenca: “A ideia de demonizar essas substâncias e marginalizar seus usuários é um dos pilares dessa política. Quanto mais usuários saírem do armário, mais a sociedade terá que encarar o uso de drogas recreativas com normalidade – ou ao menos como um problema cuja solução passa longe do fuzil e da prisão”. E completa: “Nos últimos dez anos perdi a conta de quantas estrelas de TV, músicos consagrados, escritores, dramaturgos, jornalistas, editores, galãs de novela, celebridades e capas de revista vi fumar unzinho ou esticar uma carreira em festinhas de apartamento ou camarins de shows. Não sou do tipo de escritor que confraterniza com políticos e autoridades, mas relatos dizem que não é muito diferente”.
O autor então assume seu consumo de substâncias psicotrópicas, e alerta para o risco do consumo de drogas legais: “Sou um fumante ocasional de maconha, skank e haxixe. Já fui mais assíduo com MDMA, minha droga preferida. (…) Aqui também é complicado encontrar bons opiáceos, ácidos e cogumelos, que só consigo no exterior. Reconheço e assumo o risco dessas substâncias, a irresponsabilidade de comprá-las sem bula, mas nenhuma delas jamais me causou tanto dano físico e emocional quanto o álcool, a única droga legal que consumo. A única, aliás, que me gerou dependência”.
Cuenca afirma ser uma “falácia argumentativa” dizer que é o usuário de drogas quem financia a violência do tráfico, já que ela ignora que o tráfico armado só existe por causa do proibicionismo, e ignora as relações entre lavadores de dinheiro, políticos, contrabandistas de armas, policiais, bancos e o tráfico: “No fim das contas, quem ajuda a comprar a arma do miserável varejista na ponta do comércio é o voto na urna, via lobby da bala. A depender do caso, o dinheiro vai parar numa conta numerada do HSBC na Suíça. No morro apenas sobram os mortos, normalmente anônimos como os donos da grana –é a única coisa que têm em comum”.
“A grande maioria dos leitores deste texto não vive sob o estado de exceção legitimizado pela guerra às drogas e não corre o risco diário de ver o filho baleado por policiais ou traficantes. Assim fica confortável terceirizar o problema e dormir com ossadas embaixo da cama. Falta envolvimento e conscientização sobre o que é mais letal e nocivo quando se trata do tema das drogas: a própria política proibicionista”, conclui.
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