Governo reconhece índio como perseguido político e concede indenização de R$ 61 mil

Tiuré, preso e torturado nos anos 70 e 80, é o primeiro indígena que obteve a condição de anistiado no país

Por: EVANDRO ÉBOLI

BRASÍLIA – O índio potiguar José Humberto Costa Nascimento, conhecido como Tiuré, é o primeiro indígena que obteve a condição de anistiado político, concedida pelo governo brasileiro. Tiuré foi monitorado, preso, torturado nos anos 70 e 80 e pediu asilo no Canadá, onde viveu durante 25 anos, entre 1985 e 2010. No final de novembro, a Comissão de Anistia reconheceu a perseguição do Estado ao indígena e, além do pedido oficial de desculpas, concedeu-lhe uma indenização, em prestação única, no valor de R$ 61 mil.

Filho de índios, Tiuré não nasceu numa aldeia, mas na cidade, no Rio Grande do Norte, e ingressou na Funai nos anos 70, onde trabalhou no Departamento de Patrimônio Indígena. Inconformado com a forma como os militares tratavam os indígenas, decidiu abandonar a fundação e seguir para a Amazônia, para defender os interesses desses povos.

– Os militares tinham o interesse no extermínios dos povos indígenas. Vários documentos que passaram pela minha mão demonstravam que esse era o objetivo – disse Tiuré na segunda-feira.

Ao lado do povo paracatejê, no sul do Pará, mobilizou os índios contra a exploração dos donos dos castanhais. Os indígenas eram explorados por esses fazendeiros, num sistema análogo à escravidão. Tiuré coordenou outras ações, como impedimento de construção de estradas nas áreas indígenas e até o sequestro de uma equipe de engenheiros, soltos algum tempo depois. Na região da Guerrilha do Araguaia, o anistiado conviveu com os índios suruí, que mantiveram contato com os guerrilheiros e que também foram usados pelos militares.

Visado pelos militares e identificado como um agitador e terrorista, Tiuré deixou a região, por recomendação dos índios, e foi para João Pessoa (PB). Bem no início dos anos 1980, ele foi preso pela Polícia Federal, ficou horas em poder dos agentes, e contou que sofreu torturas.

– Não foi fácil, cheguei a desmaiar. Mas senti que não queriam me matar. Me levaram para um terreno baldio, me espancaram e me chamavam de agitador o tempo inteiro – afirmou o indígena.

A casa onde morava chegou a ser incendiada. Como as ameaças não cessavam, Tiuré decidiu pedir asilo ao governo do Canadá, em 1985. O seu processo para ser reconhecido como refugiado pelo Alto Comissariado da ONU levou seis anos. Nesse período, no Canadá, ele disse que vivia uma “meia prisão domiciliar”.

– Era um lugar para refugiados, sem muitas condições. Eu não podia estudar nem trabalhar na minha condição. Testemunhei suicídios. Depois, com o status de refugiado, a coisa mudou. Estudei numa universidade indígena, dei palestras e a vida melhorou.

‘Pouco ou nada se fala sobre a relação entre a ditadura e os índios’

Tiuré decidiu voltar ao Brasil após a vitória de Dilma Rousseff para a presidência da República.
– Entendi a vitória dela como um chamado para voltarmos ao país. Mas seu governo decepcionou na política indigenista e há muito o que fazer.
Tiuré acredita o fato de ser o primeiro indígena anistiado irá provocar um debate sobre esse assunto no país.

– Pouco ou nada se fala sobre a relação entre a ditadura e os índios. Que essa decisão se estenda a centenas de outros que também foram vítimas de muitas violações.

No primeiro semestre deste ano, a Comissão de Anistia começou a julgar o processo de Tiuré, mas a documentação estava incompleta. A comissão queria provas de que, mesmo não tendo nascido numa aldeia, Tiuré poderia ser considerado um indígena. Um laudo antropológico desfez a dúvida, a favor do índio. Ele chegou a ameçar greve de fome se sua condição de anistiado não fosse aprovada.

 

Fonte: O Globo 

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