Procura-se, como no velho Oeste, recompensa de R$ 5 mil, o assassino do torcedor Paulo Ricardo Gomes da Silva, morto na noite de sexta-feira, vítima de um vaso sanitário atirado nas arquibancadas do estádio do Arruda, Hellcife, Pernambuco.
Era apenas um jogo de futebol entre Santa Cruz x Paraná, pela Segundona do Brasileirão, em noite de tempestade. Logo o Santa, Santinha, o time da “poeira” (termo muito utilizado pelo ex-governador Miguel Arraes para distinguir o proletariado), o time de uma das torcidas mais passionais e fiéis do Brasil.
Gente que sabe festejar a vida mais do que ninguém, mesmo boiando no mar de garrafas pet e estatísticas desfavoráveis no país de Caça-Rato. Gente que sabe “tomar banho de canal quando a maré encher”, como na trilha da Nação Zumbi.
Infelizmente os monstros existem em qualquer universo, qualquer torcida, qualquer canto. Que desgraça.
O assombro se repete com outra morte no universo do futebol. Ainda mais na beirada de uma Copa no Brasil. Ligamos os amplificadores contra as torcidas organizadas. Não estamos errados nessa grita ou em qualquer outra microfonia histérica do gênero.
Os caras não sossegam suas mentes diabólicas. Sejam do Santa, do Sport, do Nautico, do Flamengo, do São Paulo, do Corinthians…, tenham lá que cores sob ou sobre o lado esquerdo do peito.
O inferno (coral ou de quaisquer outras cores), como diria o filósofo francês Jean-Paul Sartre, são sempre os outros.
As torcidas são umas pragas, mas amplificar a violência delas, só delas, para o mundo é reduzir o foco a uma camerazinha vagabunda de visão estreita.
Acontece é que é bem pior a parada: o Brasil se tornou um país de matadores. Mais de 50 mil mortes por ano. Do conflito do campo –o único país do mundo que teima em não fazer uma reforma agrária decente- à mais banal das mortes na sinuca da esquina.
Pergunte a qualquer candidato à Presidência a quem interessa mexer com o assunto. Nenhum, óbvio. Reforma urbana pior ainda. Da liberação geral dos gabaritos de construção de torres nas cidades é que vem boa parte da grana de campanha.
País de matadores. No trânsito nem se fala.
A polícia, avimaria!, se for preto, pobre e favelado… É pé na porta e tiro na cara, que me desculpe o free-jazz da obviedade.
O negócio é matar. Pei-pei-pei, o pipoco da bala varando o corpo do cidadão.
Mata-se sem razão alguma.
Não que exista razão possível que justifique uma morte –seja o crime por causa do latifúndio, vingança, tráfico, amor ou ganância de varejo.
Chegamos lá. No auge da banalidade do mal, como falava Hannah Arendt sobre a Europa das guerras -sim, os europeus, senhora Fifa, são originalmente bons nessa selvageria.
Viramos um país de matadores.
Matamos até no futebol, veja bem. Isso é o que espanta – e olhe que é no futebol onde ainda menos se mata no Brasil.
Assombra gerações como a minha porque era o nosso lugar especial da brincadeira, nosso território livre, quase à prova de assassinato, o lugar mais protegido –e não só simbolicamente-, aquela coisa de chegar e sair juntos do estádio com os “adversários”.
A grande diferença era só quem iria pagar o engradado de cerveja por causa do resultado da peleja. E todo mundo voltava para casa com a camisa do seu time sem furos de bala.
Está na hora do Brasil quebrar o pau no debate, na eleição, na Copa do Mundo, mas respeitar pelo menos uma lei: o sexto mandamento. Não matarás, porra!, acredite você ou não em Deus.
Fonte: Xico Sá