Fonte: Írohín – Jornal Online
Hamilton Borges Walê – MNU/BA
Saí com gosto! Fui mandado embora de uma reunião quase secreta nos aposentos da Faculdade de Comunicação da UFBA (FACOM), no dia 20 de agosto, mês em que celebramos a bravura dos rebelados de Búzios e seu martírio. Parece que a degola de João de Deus, Manuel Faustino, Lucas Dantas, Luiz Gonzaga das Virgens não aplaca o desejo dos racistas baianos por cortar nossas cabeças. A nova vítima é Fernando Conceição. Como nossos mártires de 1798, ele também enfrentou uma corte sob a acusação de conspirar no interior da sociedade reservada aos brancos.
A nossa atual conjuntura oferece-nos um cenário de investida racista da elite branca no Brasil veiculada pela grande imprensa moldada pela Rede Globo e Folha de S. Paulo, e seguida pelos pequenos papagaios midiáticos. Os grandes centros acadêmicos, como os negrólogos da USP, têm alguns de seus asseclas aqui mesmo na Província da Bahia repetindo sandices autorizadas pelos rituais pseudocientíficos que já não se agüentam mais em pé.
Dizem que queremos dividir o Brasil, como se existisse alguma unidade nesse empreendimento colonial que nos despedaça as vidas. O Brasil foi construído pela violência e o confronto – essa unidade nacional é uma ficção teórica alimentada para nos manter calados e caladas frente à opressão civilizacional branca, que utiliza de rituais opressivos toda vez que algum oprimido sai “da zona de controle”.
Nos altos do processo político a FACOM contra Fernando Conceição, os acadêmicos dessa unidade saíram do armário e declararam sua perspectiva neocolonial racista e atrasada. Incapazes de conviverem com o dissenso, lançando mão da chibata num simples caso, na tentativa de oprimir alguém que não pensa igual. Em sua tentativa até agora frustrada de eliminar Fernando Conceição, a Congregação acadêmica da FACOM ressuscita métodos dignos de um regime de exceção e atira pela culatra, atingindo a própria cauda.
De portas fechadas, eles devem lamentar que, como no inquérito de Pacífico Licutã, ou Bilal, em 11 de fevereiro de 1835, Fernando Conceição “preserve sua dignidade e identidade diante de si próprio, do inquisidor e de outros africanos que aguardavam” (João Reis).
Eu aguardei até que, sem paciência, transpus os portais do Santo Ofício da FACOM, atravessei a sala, cumprimentei Fernando e sentei-me. Fui em seguida interpelado por um fino inquisidor que, com seu ar de inglês profundo, me disse:
“Essa reunião é fechada.”
“Por quê?” Retruquei, sorrindo com o constrangimento dessa gente que se diz de esquerda, libertária , cuca fresca.
“Essa é uma reunião da Congregação da Faculdade de Comunicação”, falou após segundos de silêncio que invadia a sala.
“Eu sei”, respondi abrindo meu caderno de anotações para apontar a reunião que já tinha começado.
“Você tem que sair!”
“Aqui vai ser tratado assunto que diz respeito a minha comunidade e eu represento a minha comunidade”, disse lançando um olhar afiado para o homem que já abria a porta.
“Mas a comunidade aqui não tem assento”, gaguejou o carcereiro da sala de inquisição, uma espécie de DOI-CODI com cores pastel de filme de arte.
“Te espero lá fora, Fernando”, saí completamente satisfeito com nossa posição. Eles é que têm o que esconder e nós vamos até o fim juntos. Nós, da Campanha Reaja, temos bradado pelos quatro cantos o plano deliberado de eliminação racial que está em curso: genocídio, grupos de extermínio, brutalidade policial: O Epistemicídio.
“Quando a policia chega para matar, nós já estamos praticamente mort@s”. Nossa eliminação física não é o suficiente. A universidade brasileira, neocolonialista, eurocêntrica, racista não tolera ver um preto ou uma preta produzindo conhecimento e demolindo a muralha da Casa Grande, já em ruínas com sua elite encastelada vendo a insurreição chegar em suas portas fechadas.
O presidente do tribunal da FACOM disse que ali não era um tribunal. Eu discordo. Trata-se de processo calculado para nos manter passivos, calados, como num cativeiro. Quando eu saí daquela sala, sorri para Dr. Fernando Conceição, que se mantinha calmo, como um revoltoso “maioral” da revolta dos Búzios ou Malês, reagindo ao epistemicídio da FACOM. Como gritava um revoltoso do Urubu em 1826:
“Viva negro…”.
Matéria original: Torpe Comunicação do Santo Ofício – O Epistemicídio