Preciosa, uma bailarina negra na Academia Bolshoi: “Falaram que eu devia branquear a pele”. Jovem vive há dois anos em Moscou e disputará importante competição internacional neste mês de janeiro
por Sandro Fernandes, Opera Mundi
Preciosa Adams carrega no nome a qualidade das melhores bailarinas. Com apenas 18 anos, a jovem norte-americana estuda há dois anos na Academia Bolshoi, em Moscou, e se forma daqui a seis meses em umas das mais prestigiosas escolas de balé do mundo. A história poderia ser o sonho de toda adolescente que desde pequena calça as sapatilhas de ponta. No entanto, como se não bastasse o competitivo mundo da dança, Preciosa teve ainda que enfrentar o preconceito por ser uma das únicas bailarinas negras que passou pela academia russa.
Preciosa entrou no mundo do balé muito cedo. Aos cinco anos, começou a estudar a dança e, aos nove, entrou para um grupo comandado pelo russo Sergei Rayevsky, em Michigan, nos Estados Unidos. Durante a adolescência, a jovem estudou em Toronto, Nova York e Mônaco, antes de ganhar uma bolsa de estudos para aperfeiçoar sua técnica de balé e aprender russo, em um programa de imersão. A Rússia estava definitivamente no caminho da bailarina norte-americana. Em 2011, com apenas 16 anos, veio a mudança para Moscou.
Em seus mais de dois anos estudando na capital russa, Preciosa contou em entrevista a Opera Mundi que foi deixada de lado em muitas apresentações por causa da cor da sua pele. Segundo ela, uma professora chegou a dizer que ela deveria “tentar branquear sua negritude” e se parecer mais com o padrão esperado pelos diretores de teatro.
A bailarina parece alheia aos comentários racistas. “Eu ri. A ideia de perfeição (da professora) é ser branco, mas temos que entender que somos lindos da maneira que somos”. Preciosa diz ainda que alguns professores na Rússia tentaram intervir em seu favor, mas tudo foi em vão.
“Eu sei por que não sou colocada em apresentações em grupo (no balé da Academia Bolshoi). Eu sou muito diferente das demais. Eu não me encaixo em nenhum grupo, mas eu não me importo. Estou preparada para solos”.
A Academia Bolshoi diz que não recebeu nenhuma reclamação formal da bailarina e declarou em nota que nenhum aluno estrangeiro fez nenhuma queixa da instituição. Preciosa diz que não fez nenhuma reclamação porque não tinha certeza se isso teria algum resultado positivo. A escola diz que todos os estudantes participam de apresentações e que a norte-americana recebeu ótimas notas.
Determinada, Preciosa lamenta não ter tido mais experiência no palco, mas acredita que os anos na Rússia foram válidos pelo aprendizado. “Nunca foi um sonho dançar no Bolshoi. Eu vim aqui só para a escola (Academia Bolshoi) e para o treinamento, não pela companhia Bolshoi”. A anuidade da Academia Bolshoi custa 680 mil rublos para estrangeiros (aproximadamente R$ 50 mil).
A bailarina disse à reportagem que seus professores russos nos Estados Unidos já tinham alertado sobre a situação de racismo na Rússia. Preciosa se mudou para Moscou sabendo o que esperava, mas não pretende continuar no país. “Não quero morar na Rússia. Eu não me sinto livre aqui. Nos EUA eu posso ser negra ou gay, por exemplo. Eu sou norte-americana e sinto falta de liberdade. Não consigo respirar aqui”. O curso dela na capital russa acaba em junho de 2014.
Sobre as polêmicas de corrupção, prostituição e venda de vagas em apresentações do Teatro Bolshoi, Preciosa se limita a dizer que não se surpreende com os escândalos da companhia e nem acha que seja exagero da imprensa.
Em janeiro deste ano ano, o diretor artístico do Bolshoi, Sergei Filin, foi atacado com ácido na porta de sua casa, em um crime organizado por um dos bailarinos da companhia. Em março, a ex-solista do Teatro Anastasia Volochkova denunciou casos de prostituição e acirradas disputas no corpo de baile. E, no início de novembro, a bailarina norte-americana Joy Womack declarou que Filin teria dito que ela deveria pagar 10 mil dólares (R$ 23,5 mil) para poder se apresentar no palco do Bolshoi.
Modelo para jovens bailarinas
Preciosa não quer ser vista como um modelo no mundo do balé, ainda dominado por dançarinas brancas. “Tudo é um processo. Na época da minha mãe, todas as mulheres faziam alisamento. Agora tudo mudou. Somos mais naturais. Ninguém quer estar restrito a um padrão, uma norma que a sociedade e a TV decidiram”. E completa. “A sociedade coloca muita pressão sobre o que é aceitável ou não. Mas depende do indivíduo decidir se você vai seguir isso”.
Preciosa vai em janeiro à Suíça participar do Prix de Lausanne, uma competição para as maiores companhias de balé da Europa. Vencer o concurso praticamente significa poder escolher em que balé a bailarina quer dançar.
“Quero trabalhar em uma companhia onde eu conquiste uma vaga apenas pelo fato de eu saber dançar”, conclui Preciosa.