Os arrastões não vão acabar enquanto a indústria do medo ganhar com eles. Por Marcos Sacramento

O diretor executivo da Anistia Internacional do Brasil, Átila Roque, fez uma reflexão instigante durante uma entrevista sobre os arrastões. Ele cita a manipulação do medo como forma de legitimar práticas de segregação social.

Por Marcos Sacramento Do DCM

“O mais grave de tudo isso é fortalecer na sociedade uma ideia de que de fato você precisa de muros na cidade, que tem de fechar linhas de ônibus, cortar o acesso à praia e que certos territórios da cidade pertencem a uma elite de classe média alta majoritariamente branca”, disse Roque ao Uol.

Embora ele não explique, na entrevista, quem manipula este medo, a lista de quem se aproveita desse temor para tirar boas vantagens é bem volumosa. Basta ver quanta gente se elege ou pretende entrar na política abrigando-se sob a causa da defesa da segurança pública.

Para gente da estirpe de Bolsonaro, coronel Telhada ou Datena, é interessante que um fato como o arrastão seja visto sob o prisma do bem contra o mal, apenas como um delito cuja resolução depende do trabalho de “homens de bem” como eles.

Não passa pela cabeça dessa malta uma análise mais refinada do problema, com a discussão dos aspectos sociais existentes por trás das ações nas praias. Para eles, é muito cômodo investir na crença simplória de que a violência se resolve com aumento de efetivo policial, instalação de câmeras de videomonitoramento por todo lado e redução da maioridade penal, entre outras ações pontuais e focadas na repressão.

Até porque soluções intelectualmente mais sofisticadas e sem dúvida mais eficazes, direcionadas ao combate à pobreza, melhoria na educação e redução de abismos sociais, exigem décadas de trabalho contínuo. Tempo demais, incompatível com os anseios imediatos de gestores públicos interessados somente no próprio mandato.

Além de servir de escada para fins eleitoreiros, a manipulação do medo abastece uma indústria de segurança privada, com negócios que abrangem desde simples cercas elétricas ou contratação de vigilantes por pequenos comércios até empreendimentos grandiosos como presídios privados.

No fim das contas, a manipulação citada por Roque é um fenômeno que envolve bastante dinheiro e atende a incontáveis interesses particulares. Não é por acaso que inúmeros problemas de segurança pública se repetem há anos sem indícios concretos de diminuição das ocorrências, por mais que o discurso pela redução da violência seja onipresente nas falas dos políticos.

Os próprios arrastões, por exemplo, acontecem há 20 anos nas praias do Rio, mas pelo nível do debate sobre o problema continuarão presentes nos verões cariocas por muitas e muitas décadas.

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