Professor Nilton de Almeida rompe o silêncio e dá versão completa da agressão que sofreu

O professor foi agredido por um policial militar no último sábado, dia 28, na cidade de Juazeiro, BA.

Por Angela Santana, do Ponto Crítico 

Um dia após o episódio que resultou em agressão física ao professor da Univasf, Nilton de Almeida, segundo ele causada por um policial militar da vizinha cidade de Juazeiro, BA, no último sábado, 28, o professor   resolveu romper o silêncio e relatar com todos os detalhes como se deu o fato. Acompanhe:

‘Saindo de casa, sábado, 23/11, às 10h, pois estava indo pro dentista, marcado para as 10h15. Virando da rua 2 para chegar a rua 1, a pouquíssimos metros de minha casa, uma guarnição da PM-BA me deu ordem para parar. Estavam na calçada da igreja católica. Perto da Escola Municipal José Padilha de Souza. Parei. Antes de tirar o capacete, antes de verem meu rosto, antes de pedirem meus documentos, recebi ordem de pôr a mão na cabeça. Tirei o capacete. Ordenaram para pôr a mão na cabeça, pus. Começaram a me revistar. Completamente. Meus pertences foram jogados no chão. Chave, carteira, mp4, documentos da moto. Não resisti. Mas também não estava sorrindo, nem de cabeça baixa. Então, no processo de revista, um dos policiais militares segurava com uma das mãos, firmemente, minhas mãos. Primeiro junto à cabeça, depois fora da cabeça, do lado esquerdo. Segurando firme. Outro PM manda por as mãos na cabeça. A quem devo obedecer? Afinal, se ponho desobedeço o PM que está atrás de mim me revistando. Se não ponho, vou de encontro ao que estava na calçada. Sem saber o que fazer, fiquei calado. Como resolver este dilema? Fui novamente interpelado pelo chefe para por as mãos na cabeça, ao que respondo: “Como pôr as mãos na cabeça se elas estão seguras?”. O policial na calçada diz então, “solte as mãos dele. Bota a mão na cabeça!” Botei. Terminada a revista, comecei a recolher meus pertences no chão. “Cadê o documento da moto?”. Respondo, “estão aqui”. E entrego. “Epa, sua licença aqui é de 2013!” “Mas está pago, o recibo de 2015 está aí”. “Está não! A moto está apreendida”. Respondi, “sim, senhor. Se é assim”. Então, tentei argumentar: “moço, minha casa é logo ali, aquela amarela de andar”, apontei para a minha casa. “Posso ir lá e pedir para minha esposa procurar?”. Apreenderam a moto, que estava identificada na parte da frente com um adesivo onde se vê o brasão da UNIVASF. E abaixo do brasão, em letras maiúsculas, “SERVIDOR” (8x8cm – É um padrão. Servidores da Univasf tem que usar, por determinação, um adesivo padrão identificador nos veículos particulares que utilizam para entrar nos campi, para facilitar a identificação) (e com os impostos pagos). O recibo do Banco do Brasil, um pouco apagado, mas legível, com data de 3/2/2015 estava lá. Não viram, não sei porque. O pedido para ir até minha casa, sem questionar a justeza ou não da apreensão, em frações de segundo, virou um tapa no lado esquerdo da cabeça. Foi dito pelo policial que parecia mais graduado, o mesmo que mandara pôr as mãos na cabeça (quando elas estavam bem seguras por outro), que estaria lhe desacatando. Eu disse: “estou calmo, não estou gritando, não estou levantando a voz”. Sei que tentei usar um recurso comum quando as discussões ficam exaltadas na universidade ou nos movimentos sociais: dizer “bom dia”, ou “boa tarde” ou “boa noite”. Como que uma tentativa de começar a conversa do zero. Quando eu terminava de dizer bom dia levei um tapa tão rápido que meus óculos ficaram totalmente fora de lugar. Mantive a cabeça erguida. Muito erguida. Voz de prisão. Cabeça erguida. Algema. Cabeça erguida. Antes de o camburão chegar, com as mãos algemadas, pedi para um dos policiais, dizendo, “sou trabalhador”, que pegasse na minha carteira um documento branco. Era minha identificação profissional da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Fui posto no camburão. Entrei sozinho. Ninguém me tocou. Do Alto do Cruzeiro até a delegacia. Mais de dez crianças e vizinhos presenciaram tudo da esquina da rua 2. Cabeça erguida. Delegacia. Cabeça erguida. Continuei e continuo de cabeça erguida. A moto, apesar de verificado que estava com o pagamento em questão regular, continua apreendida. Não tenho queixa quanto aos outros policiais. Minha queixa diz respeito ao servidor público, militar, que desferiu um tapa no rosto de um servidor público, civil, 37 anos, negro, professor, feirense de nascimento e juazeirense há seis anos’.  Nilton de Almeida.

O fato está causando grande repercussão no Vale do São Francisco e nas redes sociais.  O reitor da Univasf Julianeli Tolentino Lima afirmou em sua página do facebook, que a comunidade acadêmica não se omitirá e que o comando da Polícia Militar e o Governo do Estado da Bahia serão oficialmente acionados.

O professor Nilton de Almeida é Doutor em História e leciona na Universidade Federal do Vale do São Francisco, Univasf. Ele coordena o evento Mês das Consciências Negras, que está na VI edição e acontece no Campus da Univasf em Juazeiro, que se estende até o dia 12 de dezembro e tem como principal objetivo debater o racismo na sociedade.

Para o nosso blog o professor revelou que vai entrar com uma ação na justiça pedindo reparação por danos morais.

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