Alunos e jornalista torturado rebatem defesa da ditadura militar na USP

Cíntia Alves

Jornal GGN – “Professor Gualazzi, por gentileza, retorne”, convida Antônio Carlos Fon. “Nós não concordamos com o que o senhor diz, mas ninguém trouxe máquina de choque, nem vai botar pau de arara. Por favor, volte. Vem ouvir quem não concorda com o senhor, mas que não vai fazer o que o regime que o senhor defende fazia”, acrescenta o jornalista preso e torturado por combater a ditadura militar (1964-1985), em um vídeo gravado por alunos da faculdade de Direito da USP.

Fon se dirigia ao professor Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, defensor ferrenho do golpe que depôs o governo João Goulart, deflagrado 50 anos atrás. Há alguns dias, o acadêmico promoveu uma consulta entre seus alunos para saber se poderia ministrar, no emblemático 31 de março, uma “aula especial” totalmente dedicada a suas considerações sobre a “Revolução de 1964”.

“Os alunos concordaram em abrir o espaço, mas todos sabiam do apoio dele aos militares. Foi a partir dessa notícia que decidimos articular uma intervenção”, conta ao Jornal GGN a estudante do terceiro ano de Direito Beatriz Diniz, 19, membro do coletivo Canto Geral, responsável pelo manifesto.

“Fizemos uma intervenção artística [sonora e visual]. Renomeamos as salas do prédio da USP com nomes de pessoas desaparecidas na ditadura, espalhamos cartazes com palavras de ordem, encenamos um momento de tortura e iniciamos o grande ato cantando uma música [Opinião, conhecida na voz de Nara Leão]”, detalha.

As imagens disponibilizadas na internet denotam o esforço do grupo em sobrepor à opinião de quem acredita no uso de forças desmedidas contra uma “ameaça comunista” (ou “Peste Rubra”), a dor e a resistência de militantes presos e torturados pelo Estado ao longo dos anos de chumbo.

Tudo começa com Gualazzi lendo o manifesto intitulado “Continência a 1964”, no qual ele lembra que era um jovem com ideais direitistas quando destacamentos militares começaram a marchar visando a derrubada de Jango.

No documento, escrito em papel timbrado e registrado em cartório, o advogado sustenta que em 1964, “o socialismo almejava apoderar-se totalmente do Brasil, mediante luta armada e subversão de todas as instituições”.

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Contra o discurso do professor, os alunos reconstruíram, ainda do lado de fora da sala de aula, uma cena de tortura. Os gritos de uma mulher agredida para forçar alguma delação invadiram o discurso de Gualazzi. Quando a sala é tomada por estudantes encapuzados, o professor tenta revelar identidades e troca alguns empurrões com os jovens. Depois disso, deixa a sala e não retorna.

“O senhor tinha 17 anos em 64. Talvez a idade explique as tolices que o senhor disse. Tolices de juventude. Mas o triste, o perigoso, é que o senhor não mudou. Fosse um pouco mais velho, o senhor estaria, junto com João Marcos Flaquer, redigindo o AI-5. (…) Este é o tipo de democracia que o senhor quer. A democracia em que só o senhor tem direito a falar. Só suas opiniões merecem ser ouvidas”, dispara Fon contra Gualazzi.

Segundo Beatriz, Fon foi escolhido para participar do ato promovido pelo Canto Geral por ser uma figura importante para a história nacional, que poderia despertar o debate sobre a ditadura com o professor de Direito. “Ele foi um militante importante, participou da Aliança Libertadora Nacional, foi preso e torturado. Fon sofreu exatamente o que nós estávamos tentando fazer o Gualazzi enxergar e admitir”, explica.

A USP não impôs nenhum tipo de sanção a estudantes ou membros do Canto Geral por terem promovido o ato, mas também não se manifestou sobre o ocorrido. O grupo pretende entregar à comissão de ética da universidade o manifesto escrito por Gualazzi, com o intuito de conquistar, pelo menos, uma retratação.

“Nós não queremos necessariamente que o professor deixe de dar aula, mas que pelo menos façam uma nota de repúdio à postura dele em sala”, pontua Beatriz.

Fonte: GGN

 

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