O estupro não choca?

Uma menina de 11 anos, violentada, estuprada e grávida. Essa história deveria provocar comoção

Por Débora Diniz Do Carta Capital

Há alguns sofrimentos que só a ficção nos permite conhecê-los na intimidade de quem sofre. Foi assim que acompanhei a terrível cena de estupro de Lucy, no livro Desonra de John Coetzee.

Sem a proteção da fantasia foi que acompanhei a perseguição à menina de 11 anos, estuprada pelo padrasto, em alguma cidade anônima na fronteira entre o Piauí e o Maranhão. Sabemos pouco dos fatos, pois além de escandaloso, o caso é escondido. Em torno de seu corpo e de sua tragédia se lançou a cruzada do aborto: foi mandada embora do hospital para aguardar a gravidez porque não havia mais como protegê-la da leis dos homens.

A menina não tem nome, a família desapareceu. Dizem que mãe e filha são agora refugiadas em alguma casa abrigo para deixar a barriga da menina miudinha crescer sem que haja mais horror na violência que a acompanhou dos 8 aos 11 anos. Vou abusar dos adjetivos para descrever essa menina, pois se não a vejo, só a imagino: ela é miudinha, como as meninas nordestinas de cidades sem nome, talvez chochinha como se diz por lá.

Foi só quando o bucho começou a crescer que se deram conta que a menina era violentada. Minha imaginação não permite recitar suas palavras de confidência sobre o padrasto violentador. Só sei que ela deve ter sentido muito medo.

Entre o segredo, a violência e o socorro, a menininha só chegou ao hospital com barriga de 25 semanas de gravidez. Já muito grávida para os protetores da vida de plantão – a menina foi impedida de fazer o aborto legal e, desde então, escondeu-se em lugar que se diz seguro para se fazer mãe em idade ainda infantil demais para um parto.

Se a história teve esse enredo, se a menina é o esqueleto chocho que imagino, são detalhes do real que me faltam, porém importantes para provocar a imaginação fraca sobre quem sofre distante. Se os embriões e fetos importam, e é verdade que importam, temos uma uma menina de 11 anos, violentada, estuprada e grávida. Essa menininha tem que nos importar muito, nos escandalizar até tremer, nos mover para abertamente discutir o direito ao aborto livre dos estigmas que perseguem até os corpos infantis.

+ sobre o tema

Lupita Nyong’o vai publicar livro infantil que vai abordar a importância da autoestima

Atriz disse que deseja que as crianças repensem 'o...

Dossiê mulher: maior parte da violência contra a mulher ocorre dentro de casa

Companheiros e ex-companheiros, familiares, amigos, conhecidos ou vizinhos foram...

Profissionais LGBTQIA+ ganham 10% menos que outros trabalhadores nos EUA

Em uma rara análise dos salários de pessoas LGBTQIA+,...

para lembrar

Onde está a bebê de Janaína, a mulher que sofreu laqueadura compulsória?

Há quatro meses, Janaína Aparecida Quirino, 36 anos, foi...

Ato relembra hoje em João Pessoa vida e morte de Marielle e Anderson

Na tarde de hoje (13), acontece o ato inter-religioso...

Agência reafirma morte de menina de 8 anos em lua de mel

Apuração da agência de notícias Reuters indica que chefes...

Mulheres lutam por igualdade, mas problemas históricos persistem

O feminismo tem ganhado cada vez mais força na...
spot_imgspot_img

Órfãos do feminicídio terão atendimento prioritário na emissão do RG

A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e a Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal (SMDF) assinaram uma portaria conjunta que estabelece...

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...
-+=