Governo Bolsonaro: por que decisão de estabelecer ‘monitoramento’ de ONGs pode parar no STF

Entidades do terceiro setor veem ilegalidade em nova atribuição da Secretaria de Governo, comandada pelo general Santos Cruz

por Mariana Schreiber no Folha de São Paulo

Getty Images:BBC News Brasil

interferir na sua atuação. Ela ressalta ainda que o marco jurídico internacional também garante independência e autonomia para atuação dos organismos internacionais no país, como ONU (Organização das Nações Unidas) e OEA (Organização dos Estados Americanos)

“O Brasil, no livre e pleno exercício da sua soberania, ratificou instrumentos internacionais, e portanto há de cumprir de boa-fé. Tem que respeitar a legalidade dentro e fora (do país)”, afirma Piovesan, que é também professora de direito da PUC-SP e representante do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Para Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional na Uerj, a pretensão de monitorar ONGs é “claramente incompatível com a liberdade de associação garantida na Constituição”. Ele diz que a novidade causa preocupação por causa de declarações de Bolsonaro e integrantes do novo governo com ataques ao terceiro setor, principalmente na área ambiental e de direitos humanos.

Por meio do Twitter, o presidente acusou nesta quarta ONGs de explorar indígenas e quilombolas. A mesma MP transferiu a demarcação de terras desses grupos, previstas na Constituição, da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ) para o Ministério da Agricultura.

“Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”, postou Bolsonaro.

Sarmento ressalta que, legalmente, não é incumbência do Estado fiscalizar e monitorar ONGs. “Bolsonaro criticou na campanha o ativismo. O que é o ativismo? É atuação de ONG? A gente precisa de sociedade civil e, em muitas áreas, a sociedade civil atual em bases globais”, destacou.

“Há uma frase do Martin Luther King (líder civil negro americano) que diz ‘a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar’. É importante que organizações de outros países possam criticar excessos que o governo da Síria cometa, que o governo de Cuba cometa, e que o governo brasileiro cometa”, defendeu também o professor.

Ineditismo

A Secretaria de Governo foi criada em 2015, no governo de Dilma Rousseff, aglutinando outros órgãos. Sua estrutura passou por mudanças depois no governo Temer.

A BBC News Brasil comparou o texto da MP 870 com os marcos legais anteriores e não localizou a atribuição de fiscalizar e monitorar organizações internacionais e ONGs. Lei 10.683 de 2003 (início do governo Lula), que é citada no site da Secretaria de Governo como base jurídica para atuação do órgão, também não traz essa previsão.

Segundo a ONG Conectas Direitos Humanos, a atribuição criada na nova MP é inédita.

“A Secretaria de Governo da Presidência da República sempre teve papel de interlocução com a sociedade civil e de articulação da participação social, nunca de controle. Esta medida é abertamente ilegal, precisará ser revertida seja por meio de uma nova MP ou do Judiciário”, afirmou Juana Kweitel, diretora-executiva da Conectas.

Já o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, destacou que “a Constituição Federal é cristalina na garantia da livre associação”.

“A sociedade tem que estar sempre muito vigilante da preservação das garantias constitucionais. A livre associação, a imprensa livre e a cidadania ativa são fundamentais em qualquer país que queira enfrentar de maneira sustentável a corrupção (foco da Transparência Internacional)”, afirmou.

O diretor de Campanhas do Greenpeace Brasil, Nilo D’Ávila, ironizou a mudança: “Acho ótimo, tem que monitorar e tomar providências para as inúmeras denúncias que as ONGs fazem. Vai mudar tudo que está aí destruindo o meio ambiente: exploração ilegal de madeira, falta de licenciamento”.

+ sobre o tema

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz...

para lembrar

Pré-sal terá cota nacional de mão de obra

Por: SAMANTHA LIMA   Não bastassem a distância, a profundidade e...

Gaviões e Império podem ser excluídas da elite por tumulto na apuração

O título de campeã do grupo especial do carnaval...

Brasil, o país dos calhordas – Por: Matheus Pichonelli

Em qualquer lugar do mundo haveria ao menos o...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...
-+=