Esse domingo estreou “Eu que amo tanto”, baseado no livro homônimo, da Marília Gabriela (por sua vez inspirado pelo bestseller de Robin Norwood, “Mulheres que amam demais”). O programa podia ser algo bom. Não foi.
Por: Mari no, Lugar de Mulher
O micro episódio de ontem introduziu a história da personagem Leididai, uma mulher que afirmou nunca ter amado até conhecer um homem que eu não lembro o nome. O homem sem nome, em questão, a seduziu e inventou uma mentirada e eles fizeram sexo (com direito a muita objetificação da atriz, na cena). Ocorre que ele era procurado e voltou pra prisão, mas Leididai foi atrás e eles seguiram o enlace amoroso nas celas. Então ele foi transferido para uma prisão de segurança máxima e ela descobriu que ele era casado, o que encerrou as visitas. Mas ela esperou por ele, que quando saiu da cadeia voltou para a esposa e os filhos e a espancou quando ela foi procurar por ele.
O problema em se contar uma história assim, sem introdução à teoria criada por Robin Norwood, é oefeito Tropa de Elite. Efeito Tropa de Elite é um nome que eu dei para produções artísticas que querem questionar coisas e acabam reafirmando elas, como ocorreu com o filme, que acabou gerando uma torrente de enaltecimento da violência e da ilegalidade.
E isso já está acontecendo, com manchetes da própria Globo dizendo que: “Mariana Ximenes vive paixão bandida” no seriado. Amigas, não é assim que funciona, não. Romantizar o terror é parte do problema. Quer ver?
Por isso vamos começar do começo citando a lista das características destas mulheres, segundo a Robin (pra saber mais, vocês podem acessar o site do MADA):
- Vem de um lar desajustado, em que suas necessidades emocionais não foram satisfeitas.
- Como não recebeu um mínimo de atenção, tenta suprir essa necessidade insatisfeita através de outra pessoa, tornando-se superatenciosa, principalmente com homens aparentemente carentes.
- Como não pode transformar seus pais nas pessoas atenciosas, amáveis e afetuosas de que precisava, reage fortemente ao tipo de homem familiar, porém inacessível, o qual tenta, transformar através de seu amor.
- Com medo de ser abandonada, faz qualquer coisa para impedir o fim do relacionamento.
- Quase nada é problema, toma muito tempo ou mesmo custa demais, se for para “ajudar” o homem com quem esta envolvida.
- Habituada à falta de amor em relacionamentos pessoais, está disposta a ter paciência, esperança, tentando agradar cada vez mais.
- Está disposta a arcar com mais de 50% da responsabilidade, da culpa e das falhas em qualquer relacionamento.
- Sua auto-estima está criticamente baixa, e no fundo não acredita que mereça ser feliz. Ao contrário, acredita que deve conquistar o direito de desfrutar a vida.
- Como experimentou pouca segurança na infância, tem uma necessidade desesperadora de controlar seus homens e seus relacionamentos. Mascara seus esforços para controlar pessoas e situações, mostrando-se “prestativa”.
- Esta muito mais em contato com o sonho de como o relacionamento poderia ser, do que com a realidade da situação.
- Tem tendência psicológica, e com freqüência, bioquímica a se tornar dependente de drogas, álcool e/ou certos tipos de alimento, principalmente doces.
- Ao ser atraída por pessoas com problemas que precisam de solução, ou ao se envolver em situações caóticas, incertas e dolorosas emocionalmente, evita concentrar a responsabilidade em si própria.
- Tende a ter momentos de depressão, e tenta previní-los através da agitação criada por um relacionamento instável.
- Não tem atração por homens gentis, estáveis, seguros e que estão interessados nela. Acha que esses homens “agradáveis” são enfadonhos.
Então, optar por mostrar mulheres que amam demais em um horário de pico de audiência sem fazer a legítima justiça psicológica foi, no mínimo, um reforço do estereotipo da mulher desequilibrada. E, olha, sinceramente, não tava precisando, não. Conforme já falamos aqui:
Se tem uma coisa que as pessoas adoram é chamar mulher de louca.
Uma mulher que ama demais não é louca, ela é uma mulher sem auto-estima, amor próprio ou base emocional familiar (comumente filha de outra mulher que ama demais) que sofre muito, física e psicologicamente, pois normalmente só aprendeu a ter sentimentos ruins e sofridos. Essa mulher, segundo a Robin, também costuma ter um pai abusivo e com histórico de abuso de drogas. Mas não élouca, não.
Além disso, a falta de uma introdução ao tema também ajudou a naturalizar algumas coisas. Quando Leididai foi espancada pelo escroto sem nome, ela disse que optou denunciar a violência como vingança, para que ele voltasse para a cadeia e eles voltassem a se ver, pois, ela disse: “o que mais me doeu não foi a surra, foi pensar que eu ia ficar sem ele”
Com a introdução isso poderia ser visto como um sintoma, que nos causaria empatia. Sem ela vira um discurso que tira o foco da violência e trata ela como algo normal. Como uma “paixão bandida”. E não é,não.
Mas sabe o que mais deprimiu nisso tudo? A entrevista que a Mariana Ximenes deu no Fantástico antes da estreia do programa. Nela, (depois que a apresentadora fez questão de ressaltar que as atrizes não usavam maquiagem -!!) rolou uma resposta da Ximenes dizendo que essa foi a personagem mais forte que ela fez.
E, ai, que ponto é esse na roda da vida que uma atriz requisitada e conhecida como ela não fez mulheres fortes em nenhum outro sentido?
Não quero diminuir a luta nem a trajetória de vida dessas mulheres, elas tem toda a minha admiração, sinceramente. O que quero é dizer que empoderamento feminino passa por mais coisas, coisas mais individuais, especialmente.
Claro que isso sequer é algo específico e pode se desdobrar em outros tantos debates, como daquele seriado recente, que não ouso dizer o nome. É uma reflexão que ultrapassa esse programa e fala da TV nacional como um todo. Essa TV onde as personagens femininas ainda vivem num universo restrito e profundamente machista e racista. Uma TV que nos diz que a grande força feminina é ou superar um relacionamento abusivo (e sentimentos destrutivos) ou conseguir formar e manter uma família.
Mas uma mulher consegue ser forte e ponto. Tendo a si mesma, não ao homem como medida. Eu juro. A própria Ximenes me parece ser alguém assim.
Então desculpa para quem acha que, as vezes, exageramos e somos críticas com tudo. Mas é difícil dizer pras meninas que podemos mais, se não temos exemplos. E é difícil debater ou difundir pensamento crítico sobre a independência e liberdade femininas se continuamos sendo retratadas como: “criaturas medievais desejosas unicamente de um amor romântico impossível de ser realizado e sem nenhuma reflexão crítica sobre seu amor próprio”, como a Leila disse aqui?
De toda forma, como sou otimista, seguirei vendo o programa. Então domingo que vem continuamos esse debate, maravilhosas.
Leia também : “Amor e Sexo”: morri e fui pro inferno