Enem traz violência contra mulher na redação; veja análise de professores

Tema é ‘a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira’.
Para professora, se posicionar a favor da violência na prova é ‘indefensável’.

Por Ana Carolina Moreno, do G1

Inep divulgou o tema da redação do Enem 2015 pelo Twitter: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” (Foto: Reprodução/Twitter)

O tema da redação do Enem 2015 é “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Ele foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) minutos após o fechamento dos portões do segundo e último dia de provas, na tarde deste domingo (25). Veja todos os temas de redação da história do Enem

Especialistas ouvidos pelo G1 afirmaram que o tema é pertinente e atual, e disseram que, ao contrário de algumas edições anteriores, neste ano só há um tipo de posicionamento em relação ao tema: contrário à violência.

“No ano em que o Enem propôs movimento migratório, ele dividiu os candidatos. Alguns foram mais a favor, outros acharam que ia ter falta de emprego no Brasil. No ano passado, com o tema da publicidade infantil, os candidatos também ficaram um pouco divididos. Por um lado, a publicidade ajuda a aquecer a economia, estimula o consumo, gera empregos. E tem o outro lado, o do estímulo ao consumo desenfreado, de não contribuir para a formação de cidadãos conscientes”, afirmou aoG1 a professora Maria Aparecida Custódio, do laboratório de redação do Curso e Colégio Objetivo.

“Agora, defender a violência de qualquer pessoa é se colocar na contramão dos direitos humanos, e do próprio edital do Enem. Qualquer proposta que venha a fazer tem que contemplar os direitos humanos. Qualquer violência física, verbal ou psicológica é indefensável.”

MEC divulgou o tema da redação do Enem 2015 no Facebook (Foto: Reprodução/Facebook)
MEC divulgou o tema da redação do Enem 2015 no Facebook (Foto: Reprodução/Facebook)

A especialista em educação Andrea Ramal, elogiou o tema. “Eu acho que é um tema muito pertinente. Houve uma pequena pista ontem na prova de ciência humanas com aquela citação de Simone de Beauvoir, que já trazia a questão da mulher. É um tema atual, extremamente relevante para os jovens discutirem, ainda mais considerando que os índices de violência contra a mulher realmente pertinente no Brasil”, afirmou ela ao G1.

“A gente pode comparar o Enem a um fórum de debates sobre direitos e deveres dos cidadãos. É como se o Enem convocasse 7 milhões de estudantes para discutirem uma questão, e uma questão social pertinente como a violência da mulher. Acredito que foi uma escolha muito feliz do tema porque ainda não conseguimos vencer essa chaga tão horrorosa. A aplicação da lei ainda não se efetivou”, explicou Cida.

Segundo ela, os estudantes do colégio participaram de um simulado sobre o mesmo tema, que abordou a aprovação da lei do feminicídio, no primeiro semestre deste ano.

“Se trata de uma questão social, uma prioridade nas questões sociais, e também um tema no qual os alunos estão bastante acostumados. Muitos dos candidatos que estão fazendo a prova nesse momento já se depararam com a violência em algum momento, seja em casa, ou com algum vizinho ou conhecido.

Para Claudio Caus, professor do Cursinho da Poli, o tema “vai ao encontro do estilo do Enem por trabalhar uma questão social” e “trouxe uma reflexão, pois o assunto não é trabalhado na mídia como deveria”.

A proposta foi bem elaborada, segundo ele, mas muito focada em dados sobre a violência contra a mulher, com números de homicídios.

“Faltaram textos com maior reflexão, no sentido de campanhas contra esse fenômeno. Foi uma falha, pois o importante era falar sobre a persistência da violência, mas não havia texto que oferecesse aprofundamento. Também tivemos a ausência de um estudo mais reflexivo sobre o tema como referência ao candidato”, afirmou Caus.

Em comparação com a prova da Fuvest, que não tem essa abordagem social do Enem, tão direta e argumentativa, Caus explica que “os temas são propostos de maneira mais abstrata ou com viés mais dissertativo, sem pedir posicionamento nem proposta de intervenção”.

Abordagem do tema passa pela Lei Maria da Penha
Segundo Andrea Ramal, para que uma redação do Enem 2015 tenha uma nota alta, é obrigatório citar a Lei Maria da Penha no texto. “A não ser que a lei já seja um dos textos motivadores, precisa ser citada. Tem que falar da relevância dessa lei, se vem sendo cumprida ou não, e por que, e que outras ações para além da lei o Brasil pode tomar para resolver essa situação, porque só com a Lei Maria da Penha não resolveu.”

Sobre a proposta de ação, Andrea disse que, de acordo com o tema deste ano, não será possível se sair bem sugerindo medidas muito genéricas, como, por exemplo, sugerir uma lei que combata a violência contra a mulher. “Acredito que nesse caso ele vai chover no molhado. A lei já existe. Provavelmente uma proposta interessante seria sugerir mais educação desde cedo sobre o assunto, uma discussão mais aberta nas mídias sobre o tema”, disse ela. “A lei tem suas limitações, seja pelo cumprimento, seja porque as pessoas ficam receosas de denunciar.”

A professora Cida, do Objetivo, afirmou que, além das pistas incluídas na coletânea de textos na prova, estudantes podem discutir diversos assuntos que configuram as causas da persistência da violência contra a mulher no Brasil. Alguns deles são a falta de discussão sobre a igualdade de gênero nas escolas, que fazem com que as crianças não entendam que suas mães têm o direito de serem protegidas, e acabem reproduzindo comportamentos violentos; a falta de rigorosidade do poder público para aplicar medidas protetivas em casos de mulheres que registram boletins de ocorrência contra seus parceiros, a falta de delegacias da mulher em número suficiente no país, e a permanência da sociedade patriarcal no Brasil, que traz a “questão de encarar a mulher como sexo frágil, indo na contramão das conquistas que a mulher têm tido”.

Tema causa polêmica na web
A escolha do tema da redação do Enem 2015 gerou debates e polêmica no Twitter. Houve aqueles que defendessem a abordagem escolhida pelo Ministério da Educação (MEC) e outros que fizeram críticas.

A prova de redação tem caráter dissertativo-argumentativo e os estudantes precisam escrever sobre o tema com base em textos de motivação apresentados na hora da prova. Até a publicação desta reportagem, o Inep ainda não tinha divulgado o teor destes textos. Segundo o Inep, “na prova de redação são avaliados aspectos relacionados às competências que devem ter sido desenvolvidas durante os anos de escolaridade. Os participantes devem defender uma tese – uma opinião – a respeito do tema proposto, apoiada em argumentos consistentes, estruturados de forma coerente e coesa, de modo a formar uma unidade textual”.

Programa ao vivo
Após o fim das provas, os estúdios do G1 em São Paulo e em Pernambuco darão início a um programa em vídeo ao vivo com professores do Projeto Educação e estudantes que fizeram o Enem.

Eles comentarão os níveis de dificuldade de cada uma das provas, o tema da redação e os pontos mais polêmicos que caíram no Enem.

Candidatos que fizeram a prova poderão participar do programa enviando perguntas e comentários pela página da cobertura completa do Enem no G1.

Resolução das questões
O G1 trará ainda a resolução das 90 questões de domingo preparadas pelos professores do Cursinho da Poli (veja a correção das provas de sábado). O gabarito oficial do Enem será divulgado pelo MEC até quarta-feira (28).

Abstenção e eliminações
No primeiro dia de provas, realizado neste sábado (24), o índice de abstenção foi de 25,31% e 364 candidatos foram eliminados, segundo balanço parcial divulgado pelo Ministério da Educação.

+ sobre o tema

para lembrar

Pedagogia a distância tem mais candidatos que curso da USP

Lançado há um ano sob críticas, o curso de...

Plano de Aula: Consciência Negra III – Palavras Africanas

PESQUISE NO DICIONÁRIO AS PALAVRAS  DE ORIGEM AFRICANA. Plano de...

O machismo na Academia Brasileira de Letras

A escritora Ana Maria Machado coordenará, no mês que...
spot_imgspot_img

Geledés participa do I Colóquio Iberoamericano sobre política e gestão educacional

O Colóquio constou da programação do XXXI Simpósio Brasileiro da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), realizado na primeira semana de...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=