Pesquisa avalia opinião de parlamentares sobre direitos da mulher

Levantamento feito pelo Cfemea mostra avanços na área de direitos trabalhistas, e crescimento da influência religiosa nas decisões dos parlamentares

 

Marcello Larcher

O Congresso está mais aberto a reivindicações femininas, especialmente em relação a direitos das mulheres no mercado de trabalho, apesar de ter se tornado mais conservador em relação a temas como o aborto, por exemplo. Essa foi a principal conclusão da pesquisa “Como Parlamentares Pensam os Direitos das Mulheres?”, realizada pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), que entrevistou 321 parlamentares, entre deputados e senadores.

A organização não-governamental acompanha o trabalho do Congresso desde 1989, e esta é a quinta legislatura analisada pela pesquisa. “A ideia principal, ao fazer esse tipo de pesquisa, é conhecer a opinião dos parlamentares e informá-los sobre os temas importantes para o movimento feminista”, explicou a cientista política Patrícia Rangel, assessora do Cfemea.

Em todas as edições a pesquisa procura agrupar temas historicamente relacionados à luta pelos direitos das mulheres. Neste ano, os deputados responderam a um questionário direto aplicado de forma presencial, com perguntas sobre trabalho, direito reprodutivo, representação política, menoridade penal e união civil de pessoas do mesmo sexo.

Influência religiosa
Para Patrícia, os parlamentares estão mais sensíveis às reivindicações das mulheres, principalmente em relação a temas trabalhistas. Ela cita como exemplo as medidas de combate ao assédio moral, que têm amplo apoio na Câmara. Por outro lado, ela considera que houve retrocesso na discussão dos direitos sexuais e reprodutivos.

Patrícia, que analisou os dados sobre representação política, explica que uma das principais causas desse retrocesso é a influência da crença religiosa nas decisões dos parlamentares. Apesar de a maioria (60%) dos parlamentares considerar errado legislar a partir de pontos de vista de crenças pessoais, 38% dos legisladores admitem tomar decisões de acordo com os princípios de suas religiões. “Isso é preocupante do ponto de vista da laicidade do Estado e ameaça as demandas do movimento feminista, principalmente quanto ao aborto e à união civil”, disse.

Aborto

A pesquisa mostra que 57% dos parlamentares defendem, por exemplo, que a legislação sobre aborto permaneça como está, permitindo a prática somente em caso de estupro ou de risco de vida para a mãe. Os demais parlamentares se dividem em dois grupos: 18% defendem a descriminalização total e 15% são contra a interrupção da gravidez em qualquer caso. Apenas 8% não se posicionaram e 1% admite ampliar a legislação em alguns casos.

Para o deputado Luiz Bassuma (PV-BA), forte opositor do aborto em todos os casos e um dos maiores articuladores do tema dentro do Congresso, a pesquisa reflete bem a realidade. O deputado, que é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Contra o Aborto, conta que conversou com praticamente todos os parlamentares para descobrir suas opiniões sobre o assunto.

“Quando é para impedir o aumento dos casos em que o aborto é permitido, temos ampla maioria, mas para endurecer um pouco mais a legislação contra o aborto aí cai muito, seria muito difícil aumentar a restrição”, disse ele, que é autor de um dos projetos citados pela pesquisa, o PL 478/07, que torna o aborto um crime hediondo.

A maioria dos deputados se mostrou contrária aos projetos citados pelo Cfemea, e que na visão da entidade representariam um retrocesso (PLs 1459/03, 2423/89, 2504/07, e 1763/07, além do projeto de Bassuma).

Embora 70% dos parlamentares sejam contrários ao aborto por solicitação da própria mulher, 79% deles acham importante manter a legislação sobre a pílula do dia seguinte. A pílula, capaz de impedir a gravidez mesmo durante o período fértil das mulheres, tem sofrido oposição de grupos religiosos que também a consideram uma forma de aborto.

Participação política

O Cfemea também acredita que não deve haver mudanças nas atuais regras sobre participação política das mulheres. Nos temas centrais, como a lista alternada entre sexos para candidatos ao Legislativo e a punição de partidos que não cumpram as regras de destinação de recursos e tempo partidário para as mulheres, a maioria dos parlamentares é contrária (72% contra 60%).

O Brasil é o país latinoamericano com menos mulheres no Parlamento – 8%. Na Argentina elas ocupam 46% das cadeiras. A coordenadora da bancada feminina, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), lembra que os argentinos chegaram a essa proporção ao punir com perda de registro os partidos que descumprirem a reserva de vagas para mulheres.

Apesar de considerar os dados da pesquisa do Cfemea preocupantes, Alice Portugal cita avanços recentes e avalia que as eleições do próximo ano serão teste importante para as novas regras. A reforma eleitoral, aprovada em agosto, obriga os partidos a investir 5% do fundo partidário na formação política de mulheres, garante 10% do tempo de propaganda partidária para mulheres e, além disso, as regras sobre cotas mudaram. Os partidos agora não devem apenas reservar 30% das vagas para as mulheres, mas preenchê-las, e podem ser processados se descumprirem a regra.

Fonte: Folha Online

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