Racismo permeia as escolas

Por: Priscilla Borges

 

Quando ainda era uma criança, Alisson Jeferson das Neves, de 24 anos, teve de provar que tirava notas boas porque era estudioso, não porque “colava” de algum colega. Precisou provar que era grande e parecia mais velho por causa da genética não porque era repetente. Foi colocado frente a frente com uma coleguinha para que ela tocasse nele e não tivesse mais “nojo” do amiguinho. A necessidade era provar que os dois só tinham tons de pele diferentes.

 

A cena que não sai da cabeça de Alisson há 20 anos (ele tinha apenas quatro quando isso aconteceu) e não é rara nas escolas brasileiras. Pesquisa realizada pela Rede de Informação Tecnológica Latino Americana (Ritla) com quase 10 mil estudantes de escolas públicas do Distrito Federal mostra que o racismo contamina o ambiente escolar. Mais da metade (55,7%) dos alunos admite ter visto situações de discriminação racial no colégio.

 

As formas são variadas. Apelidos pejorativos, piadas preconceituosas, olhares desconfiados, exclusão do convívio social com o grupo. A coordenadora do estudo, Míriam Abramovay, conta que os apelidos dados aos negros impressionam. “Quase sempre eles são relacionados ao que os jovens consideram como ruim. Zé Pequeno (o traficante do filme Cidade de Deus), preto de macumba, negro safado, chocolate podre, endiabrado, galinha preta de macumba, preta fedida. São todos muito fortes”, afirma.

 

Miriam lembra que esse tipo de inferiorização não pode ser considerado uma brincadeira. “Às vezes, o conceito de brincadeira leva ao silêncio. E a escola é um ambiente privilegiado para combater o racismo”, afirma. A pesquisadora lembra que a discriminação carrega uma violência simbólica e provoca inúmeras situações de constrangimento e exclusão, que prejudicam o desempenho escolar.

 

Alisson conta que ele revertia cada ato de preconceito a seu favor. “Não me abatia fácil”, diz. “Sempre tive vontade de mudar. Fui um bom aluno. Minha mãe criou a gente sozinha. Ela trabalhava como empregada doméstica, então a gente se criou sozinho mesmo. Nunca me envolvi com crime ou drogas, sempre fui exemplo. Falo de boca cheia que sou um negro vencedor. Perdi muitos amigos, meu irmão está preso. Queria uma vida diferente”, conta.

O estudante do 5º semestre de Educação Física conseguiu. No ensino médio, já era um menino consciente e envolvido na luta por direitos dos negros. Pelo movimento hip hop, se envolveu com projetos em organizações não-governamentais. Atuou no grêmio estudantil na escola e se destacou. Com autoestima elevada, queria chegar ao ensino superior e não passar pelo que a mãe passou.

 

Alisson estuda na Universidade Católica de Brasília. O curso, que é caro, é pago pelo Instituto Ayrton Senna, para onde trabalha hoje como agente técnico de formação juvenil. Antes disso, foi segurança em festas, auxiliar de pedreiro e ajudante de mudanças. “Senti muito preconceito e recebi muita porta na cara”, lembra. Mas não ligava. Tudo o que conseguia guardava para pagar a faculdade. “Passei fome, não comprava nenhuma apostila ou livro. Fui o primeiro da família a chegar à faculdade. Demorou muito tempo para eu me reconhecer. Hoje, ajudo os outros”, conta.

 

Danielle Valverde, especialista em educação do Fundo das Nações Unidas para Educação para a Mulher (Unifem), acredita que a educação tem um papel fundamental para mudar a trajetória de discriminação e preconceito nas escolas. Por isso, ressalta a importância de garantir o cumprimento da lei que obriga a inclusão de história e cultura afrobrasileira nos currículos escolares.

“Temos de mostrar para os alunos a verdadeira formação social da população brasileira. A desconstrução do racismo passa pelos bancos escolares. Na medida em que as escolas adotarem uma política que, de fato, apresente uma nova compreensão desses povos na formação da sociedade, conseguiremos desconstruir o racismo”, defende.

 

 

Fonte: Írohín

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