Vontade de nada, mudanças na vida e cada pecado uma árvore

por Sérgio Martins

A vontade de nada voltou assombrar meu cotidiano, um olhar parado nas paredes do meu quarto, sem nenhuma vontade de levantar, sair, trabalhar, escrever, falar, comer, fazer qualquer coisa que implique uma mera ação. Uma sensação de estar descolado de toda realidade em minha volta. Nada de conexão com relações afetivas, sexo, processos judiciais, parentes, nada. O telefone toca insistentemente exigindo nosso ingresso na roda da vida, aí a gente atende, a tal de responsabilidade, então uma ligação atrás da outra, está feita a conexão com a vida produtiva.

Quando nascemos as engrenagens produtivas já estão presentes, então vivemos a nossa época, nossos mitos e desafios. Sempre fui rebelde, jamais aceitei os discursos prontos, os limites materiais herdados do longo período de escravidão em solo brasileiro. Entre meus livros prediletos estava Raizes de Alex Haley. Na minha casa não perdemos um capitulo da mini-série baseada neste livro. Um trajeto de muitas vitórias, dores e sofrimento, nada diferente de muitos negros e negras por este país a fora. Mas somos normais temos o direito ao sucesso e ao fracasso, aos momentos de loucura e sanidade, ás escolhas afetivas. Nós negros, sabemos como é difícil para os familiares aceitarem as relações homoafetivas entre nós, alguns chegam a dizer que são duas marcas muito pesadas para serem carregadas por uma só pessoa. Mas, temos o direito de cuidar de nossas vidas privadas, com exclusividade ou vivê-las na roda vida da militância por cidadania e paz na terra.

Veja alguns vídeos e o que foi a série Raízes

Aí está a beleza, na possibilidade de optar, de refletir sobre as diversas opções feitas na vida, que fantástico, quando alguém alcança os 70 (setenta) anos e consegue sentar ao seu lado e contar suas histórias de vida, das quais retirou uma lição de cada evento, cada fracasso. Estamos muito longe disto ainda, a comunidade negra tem suas primeiras gerações de letrados, que recebem menos do que os mesmos profissionais brancos, segundo as estatísticas oficiais. Mas não são apenas, as condições financeiras que definem a liberdade de optar por novos caminhos na vida.

É o imaginário do sujeito, o quanto ele lhe permite de liberdade para mudar, o quanto ele lhe permite de prazer e felicidade, o direito de escolher para além dos limites que lhes são impostos pela sociedade, pelos lanços familiares, pelos compromissos sociais. Não há mudanças sem lagrimas, dores e responsabilidade, em um cálculo, não muito exato de custos e benefícios. Mas aqueles que ousam diante da vida, trazem em si um estado de paz.

Acho que Deus, a última e única fonte da criação, nos aguarda com o que de melhor possamos construir durante a vida, tal como uma criança entrega aos pais seus primeiros desenhos escolares, aqueles que guardamos com carinho pela vida toda.

O medo de errar dever ser substituído pela coragem de recomeçar, a partir de uma avaliação simples e sincera. Neste caminho temos que separar o conceito de dores ou mal estar que possamos causar a quem nos rodeia, de ações prejudiciais causadas à outrem. As mudanças sempre atingem a vida das pessoas que mais gostamos, mas a vida é maior, aquela dor com o passar dos anos torna-se um elo de compreensão e sutileza nos laços da vida.

Depois de todo caminho percorrido ainda aparece essa tal vontade de nada, bem somos humanos, apenas. Um estado que nos deixa impotente diante de tudo, é própria morte na vida. Mas mesmo neste momento, temos a oportunidade de olhar com desprendimento através de tudo que fazemos, sem brilho e sensações vitorianas. Para nossa sorte, este estado da alma passa, aí temos a oportunidade de recomeçar novamente.

Se de tudo, as mudanças lhe causarem dores de culpa e certeza de pecados, faça o que o frei Tião, da Paróquia Católica Sagrado Coração de Jesus/Goiás, recomendou aos seus fiéis: a cada “deslize” plante e cuide de uma semente de qualquer árvore. Assim, estaremos contribuindo pela manutenção do meio ambiente e construindo uma vida coletivamente saudável.

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