Novo racismo e velha homofobia – Por: Juremir Machado da Silva

O racismo é ardiloso. Inventa maneiras de ressurgir. Finge-se de morto para ressuscitar. Aparece onde não poderia existir. Por exemplo, no futebol. A mais nova expressão do racismo é o preconceito como brincadeira. Faz de conta que é carinhoso. Me engana que eu gosto! O racismo “carinhoso” e de “brincadeira” tem no futebol o seu espaço favorito. Logo no futebol, que deveria ser, por excelência, o lugar da inexistência de preconceito. O “rei” de futebol é negro. Boa parte dos melhores jogadores é negra. Como o senhor de escravos, o torcedor racista quer os gols e o trabalho dos seus negros, mas os despreza. É infame.

O futebol virou reduto da boçalidade.

A maioria dos gremistas não é racista. Mas parte da torcida do Grêmio fez de uma frase com fundo racista seu refrão: “Chora, macaco imundo”. Racismo de “brincadeira”. A estratégia colorada de assumir ironicamente o insulto já virou tiro pela culatra. Serve de atenuante para quem insultou. Contra o racismo só tem um jeito, a resistência. O racista não entende a ironia. Apropria-se dela. Usa-a a seu favor. Falar disso acende o clubismo: o cara está dizendo isso por ser colorado. Tenho torcido mais pelo Inter ao longo da vida, mas já torci pelo Grêmio. Futebol não é coisa séria para se ter só um clube na existência. Quando o futebol quer abocanhar dinheiro público e escamotear o racismo, deixo de ter clube.

Por incrível que pareça, o ambiente do futebol consegue ter um preconceito ainda maior do que o racismo: a homofobia. Conheço gays assumidos em todas as profissões. Menos no futebol. Torcedores fanáticos costumam esbanjar racismo e homofobia. O futebol, em termos de comportamento, chafurda no pior. O clubismo suplanta tudo. Por que não rebaixar clubes em cujos estádios são flagradas manifestações homofóbicas ou racistas? Porque os interesses dos clubes nas competições são colocados acima de tudo e até a mídia os protege.

O novo racismo, avatar do velho, faz de conta que é bobo, sofisma, diverte-se com uma retórica barata. É o colunista gremista hipócrita perguntando ao árbitro negro se ele se incomoda em ser chamado de macaco e sustentando que a torcida do Inter não se importa. Será que o colunista se incomoda em ser chamado de senil? Conheço muitos negros colorados que odeiam essa história de “macaco imundo”. Se a expressão fosse usada em relação ao Grêmio, a minha posição de repúdio seria a mesma. É repugnante, infame. O máximo do ardil racista atualmente é sustentar que brancos estão sendo discriminados.

Estamos num mundo às avessas. Políticos assumem que, sem a Copa do Mundo, não fariam obras que a sociedade precisa e que são pagas com o dinheiro dos impostos. Sem pretexto e sem negócios, nada feito. Quanto a Fifa está colocando ela mesma de dinheiro no Brasil? A Copa do Mundo é uma boa maneira de abastecer empreiteiras que financiam campanhas. Mudei de assunto. Minha indignação não se controla. Vai do racismo à homofobia e termina nos privilégios dados ao futebol, mais forte reduto atual do preconceito, do fanatismo, da estupidez e da violência.

Fonte: Correio do Povo

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