Diversidade contra o racismo

por Rogério Arantes

Quando o Tribunal de Justiça Desportiva começar a julgar hoje à noite o Clube Esportivo de Bento Gonçalves pelos episódios de racismo contra o árbitro Márcio Chagas da Silva ocorridos durante uma partida do Gauchão, algo bem maior que o futebol estará em xeque. A atitude de alguns torcedores no estádio Montanha dos Vinhedos deve ser condenadas sem hesitação. Quem ofendeu o árbitro e quem depredou seu carro deve ser responsabilizado criminalmente, e o clube deve ser punido pelas leis desportivas. Não existe margem pra dúvidas nesse caso.

Mas o episódio não pode se encerrar por aí. Por isso, qualquer que seja a punição dos responsáveis pelas agressões que caracterizam crime inafiançável, que deve ocorrer sem exageros e sem deixar que a emoção fale mais alto que a lei, é o Estado que precisa aprender com o caso para se manter atento e reagir para evitar essa vergonha.

Quando torcedores chamam jogadores e juízes negros de “macacos”, o que eles na verdade estão fazendo é reviver os capitães do mato e os feitores de escravos. Eles podem nem ter essa consciência, nem se declarar “racistas”. Eles podem até acreditar que as ofensas praticadas dentro de um estádio de futebol são menores por causa do contexto da disputa esportiva.

Mas não são. Porque o contexto real é o da vergonha, e por isso não pode ser tolerado. E por isso também é preciso denunciar o racismo e a imbecilidade que produz esse comportamento. É por isso que hoje, no tribunal, todos somos um pouco Márcio Chagas, somos Tinga e somos Arouca. Porque, se a sociedade aceitar essa vergonha, então o que nos resta é ser governado por gente que pensa como o deputado federal Luis Carlos Heinze e pelo pensamento que discrimina negros, quilombolas, índios e homossexuais.

Ao contrário da hipocrisia reinante, as relações raciais no Brasil não estão resolvidas. Não é à toa que os negros e todas as minorias ocupam as posições mais baixas na sociedade, na vida e no imaginário da Nação. Aceitar esse comportamento racista serve apenas de estratégia para a manutenção dos privilégios de alguns e da exploração de outros.

A dificuldade em reconhecer o racismo como um problema responde exatamente a esse objetivo. O racismo velado se mantém vivo muito por conta dessas distorções, alimentadas na família e também na escola. É a nossa tolerância com os pequenos preconceitos, com as mínimas discriminações, com as piadas que satirizam baixinhos, obesos, homossexuais, negros ou o que seja que fuja dos estereótipos dominantes que acaba reforçando essa cultura da discriminação.

Não há inocência no racismo. Não há poesia no preconceito. É preciso aprender que o que nos une é a diferença, e o que nos faz crescer é a diversidade.

Fonte: Leouve

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