A CRISE DO COLONIALISMO EUROPEU E A EMERSÃO NACIONAL NA ÁFRICA
Por Muniz Ferreira, do Portal Educação
Uma das implicações históricas mais significativas da Segunda Grande Guerra (1939- 1945) foi o declínio da centralidade européia no sistema de poder mundial. Até então, as potências do chamado “velho continente” haviam exercido uma duradoura supremacia sobre as demais regiões do mundo, principalmente nos aspectos econômico, político, diplomático e militar. Do topo de tal preeminência, os estados nacionais e os homens de negócio europeus submeteram, pela força e pelo logro, povos e civilizações; exportaram mercadorias, capitais e as regras da economia de mercado e impuseram suas línguas, religiões, concepções de mundo e valores culturais. Como corolário de tais processos, o continente africano experimentou a escravidão e o colonialismo, a subordinação de seus sistemas tradicionais de organização social às leis da valorização do capital e testemunhou a constituição de ordenamentos políticos internacionais, nos quais desempenhava o simples papel de “área de influência” e “reserva estratégica” à disposição dos poderes coloniais. Fora assim desde os tempos do Tratado de Tordesilhas (1494), primeiro tratado internacional moderno, passando pelo sistema internacional da Convenção de Viena (1815-1817) — em cuja vigência padeceu a partilha territorial em benefício das nações européias, pactuada na Conferência de Berlim (1884-1885) —, até à época da Liga das Nações (1919-1939), cujo objetivo de reordenar a vida internacional sobre os princípios da soberania nacional e da não-intervenção não contemplou as aspirações dos povos africanos e asiáticos à autodeterminação.
Porém, a Segunda Guerra Mundial contribuiria para modificar tal quadro. Esgotadas econômica e militarmente pelo desenrolar da conflagração, as grandes potências européias experimentaram uma limitação (mas não a eliminação) de sua capacidade de preservar coercitivamente grandes impérios coloniais. Ademais, dois novos fatores concorriam para a erosão das bases da legitimação do colonialismo europeu no mundo: a) o crescimento do prestígio das concepções e dos movimentos democráticos e progressistas (por definição anticolonialistas) no mundo, que se seguiu à derrota das forças do eixo nazi-fascista; b) a ascensão, ao primeiro plano, da política internacional de duas novas grandes potências, as quais, devido a motivações diferentes, encontravam-se descomprometidas com a preserva- ção dos domínios coloniais europeus na África e na Ásia: os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Excluídos da partilha da África na Conferência de Berlim e, conseqüentemente, marginalizados no acesso aos mercados, matérias-primas e áreas de influência no continente africano, aos Estados Unidos interessava, num primeiro momento, uma alteração no status quo internacional que lhe concedesse liberdade para realizar seus interesses econômicos e estratégicos na África, sem os inconvenientes gerados pelo exclusivismo colonial europeu. Para a União Soviética — potência cuja matriz histórica remontava às revoluções do ano de 1917 na Rússia —, a descolonização representava um enfraquecimento do “imperialismo ocidental” e otimizava as possibilidades de ampliação de sua influência internacional através do apoio aos movimentos de libertação nacional africanos (e asiáticos) e a aproximação das jovens nações africanas. É bem verdade que o posicionamento norte-americano em face da questão se alteraria à medida em que se deteriorava a atmosfera internacional e a aliança com a URSS era substituída pela guerra fria. Nestas novas condições, a opção pelo desenvolvimento de uma política de contenção da influência soviética na África reaproximou os EUA das antigas potências coloniais européias e os colocou na contramão dos movimentos de libertação nacional do continente, sobretudo daqueles cuja radicalidade anticolonial e ênfase nas definições antiimperialistas contribuíram para uma aproximação com as posições soviéticas.
Assim, no hiato vigente entre o final da Segunda Grande Guerra e a cristalização da bipolaridade leste-oeste, as concepções referenciadas na idéia de descolonização e emancipação nacional do continente africano conquistaram carta de cidadania nas discussões internacionais. De tal forma que, mesmo nos anos posteriores de recomposição do poderio europeu e redefinição do posicionamento estadunidense frente ao problema colonial, o processo de emancipação africano seguiria seu curso sem jamais parar. Teríamos assim, nos anos 50, a independência da Tunísia (1950), da Líbia (1951), do Sudão, do Marrocos (1956), de Gana (1957) e da Guiné (1958). No emblemático ano de 1960 — ano da independência da África, segundo as Nações Unidas — verificar-se-iam as libertações de Camarões, Togo, Madagascar, Zaire, Somália, Mali, Benin, Nigéria, Níger, Alto Volta (atual Burkina Faso), Costa do Marfim, Chade, República Centro-Africana, Congo, Gabão, Senegal e Mauritânia; em 1961, Serra Leoa; em 1962, Ruanda, Burundi, Argélia e Uganda; o Quênia em 1963; Malauí, Zâmbia e Tanzânia em 1964; Gâmbia em 1965; Botsuana e Lesoto em 1966; Ilhas Maurício e Guiné Equatorial em 1968. Na década de 70, Guiné Bissau em 1973; São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo Verde, Comores e Angola em 1975; Ilhas Seychelles em 1976; Djibouti em 1977; Suazilândia em 1978. Já nos anos 80, Zimbábue, em 1980 e, finalmente, a Namíbia, em 1990.
Foram variados os caminhos trilhados pelos povos africanos e seus movimentos de libertação para a obtenção da tão almejada emancipação política. Tal diversidade esteve associada a uma gama de fatores que caracterizaram os processos de dominação de cada potência colonizadora, como seu grau de dependência econômica e estratégica em relação às colônias e a variedade de recursos econômicos, políticos, militares e diplomáticos à disposição de cada uma, quando do acirramento das reivindicações de independência. Os colonizadores britânicos, por exemplo, recorriam, via de regra, a um sistema de colonização que procurava conservar a autoridade das elites nativas nos escalões intermediários e inferiores da administração colonial, cooptando o mais amplamente possível as aristocracias tradicionais para um sistema de parceria subordinada.
Habituada desde séculos anteriores à implementação de uma política de autogoverno em suas colônias de maioria populacional branca (Estados Unidos, Austrália e Oceania), a Grã-Bretanha adotou, como recurso freqüente em suas antigas possessões africanas, uma estratégia de “sair para ficar”, ou seja, substituir o controle dos postos chaves do governo das colônias por elementos locais formados política e culturalmente nos marcos do sistema colonial britânico, procurando reintegrá-los posteriormente à Comunidade Econômica Britânica (British Commonwealth), garantindo, assim, a primazia de seus interesses econômicos e empresariais na nova ordem política pós-colonial.
Já a França, segunda maior potência colonizadora européia na África, aferrou-se aos métodos de dominação colonial direta e à prática ostensiva da assimilação cultural. O resultado foi um enfrentamento, na maior parte das vezes, bastante violento entre as administrações coloniais e os movimentos de libertação nacional, do qual são exemplos os dois casos mais emblemáticos de revolução anticolonial verificados na Ásia e na África: a guerra de independência da Argélia e o conflito do Vietnã. Algum tempo passaria até que a França, seguindo os passos do Reino Unido, procurasse reintegrar suas antigas colônias africanas à sua área de influência econômica (e, por conseguinte, militar e diplomática), investindo na criação de uma zona comercial e financeira estruturada em torno de sua moeda (o franco) e no desenvolvimento da chamada “Comunidade Francófona”
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