Lembro-me de, numa noite de neve em Cabul, à luz de uma lanterna, falar com um casal de olhos claros que tinha finalmente conseguido a sua liberdade depois de ter estado preso durante anos como prisioneiros de consciência. O cabelo ruivo dela ondulava sobre os ombros. O aspecto magro dele tinha-se agravado devido à má alimentação, mas ele apontou orgulhosamente para os volumes que tinha coleccionado durante o encarceramento, cuidadosamente alinhados no parapeito da janela.
Na prisão, os seus espíritos e intenções para melhorar a sociedade elevaram-se, encorajados por parceiros em celas frias e húmidas onde todos aguardavam livros e pão e orações das famílias de quem dependiam para sobreviver. Eles viviam num país onde as convicções tinham um preço; por isso tinham ganho determinação com as suas provações, e receberam inspiração de prisioneiros de consciência com opiniões similares.
Da mesma forma, a bem documentada vida de Nelson Mandela mostra como a camaradagem fortaleceu o seu carácter à medida que ele desistiu dos confortos da vida – família, saúde, nutrição, segurança, e até a reputação – como um prisioneiro de consciência. Escrevendo sobre a sua prisão no seu livro Um Longo Caminho para a Liberdade, Mandela recordou-nos: “Convicções fortes são o segredo para sobreviver à privação; o espírito pode estar cheio, mesmo quando o estômago está vazio.”
Os Bahá’ís na África do Sul comemoraram as suas qualidades, assim como toda a gente, quando “Madiba” faleceu aos 95 anos, em Dezembro. A celebração dos seus ideais teve um eco especial porque os Bahá’ís tinham levantado o apelo à unidade cerca de quarenta anos antes do nascimento de Mandela, quando o fundador da sua Fé se tornou um prisioneiro de consciência pela sua própria crença em ideais semelhantes – unidade da humanidade e da erradicação do poder como ferramenta de opressão. Bahá’u’lláh foi primeiramente punido pelas suas convicções no Fosso Negro, em Teerão, em 1852, com um pesado jugo sobre os ombros, e com as mãos e os pés atados. De facto, ele passou a maior parte da sua vida na prisão, exilado ou sob prisão domiciliar, até ao seu falecimento em 1892.
Neste século, Mandela deu aos prisioneiros de consciência uma imagem elevada quando surgiu como um estadista consagrado do seu tempo e, em 1994, se tornou o primeiro presidente negro do seu país. Ainda assim, olhando para um ensaio fotográfico do final do ano de 2013 publicado no New York Times lembramo-nos que o trabalho da humanidade continua por fazer. Em todos os continentes, vemos conflitos étnicos, respostas violentas aos apelos à liberdade, a preponderância dos interesses económicos sobre o bem comum, a turbulência baseada em ódio… todo tipo de dramas humanos continuaram a desenrolar-se ao longo do ano de 2013, juntamente com actos de generosidade, de sacrifício e da bondade humana. Enquanto a luta para estabelecer a unidade tem avanços e recuos, expandindo-se grandemente, os heróicos prisioneiros de consciência viram algumas vitórias. (Aqui defino herói como alguém que fala não apenas em seu próprio nome, mas em nome de terceiros.)
A conhecida advogada de direitos humanos Nasrin Sotoudeh, por exemplo, encontrava-se entre os 11 iranianos libertados quando Hassan Rouhani assumiu a presidência no Irão. Ela tinha representado activistas iranianos presos, bem como prisioneiros condenados à morte por crimes cometidos quando eram menores. Entre os seus clientes incluíam-se a jornalista Isa Saharkhiz e a vencedora do Prémio Nobel da Paz, Shirin Ebadi.
Apesar de Nasrin Sotoudeh ter saído da detenção solitária na prisão de Evin para se juntar à sua família, muitos inocentes não o puderam fazer. Permanecem detidos como heroicos prisioneiros de consciência. Muitos desses adultos e jovens nunca fizeram ouvir as suas vozes nas ondas da rádio, participaram em manifestações política da oposição ou expressaram publicamente as suas opiniões. Entre eles estão mais de 100 Bahá’ís iranianos que foram subitamente levados dos seus locais de trabalho e residências devido ao simples delito de ensinar de cursos universitários ou aulas para crianças – presos por agir segundo convicções que os levam a valorizar a educação, o amor e o serviço à humanidade e o exercício da igualdade. Os Yaran, os sete dirigentes da Fé Bahá’í no Irão – todas as mães e pais – que, tranquilamente respondiam às necessidades da sua comunidade, sem violar a lei, já cumpriram cinco anos de penas de prisão, sem fim à vista.
Enquanto a anterior geração de prisioneiros Bahá’ís iranianos sofreu, por vezes, execuções aleatórias na prisão, hoje o mundo aguarda com esperança renovada para uma era mais progressista. Talvez tenha chegado. Recentemente a resolução 75 do Senado dos EUA obteve apoio bipartidário e aprovação unânime na condenação de perseguição oficial do Irão contra a sua minoria Bahá’í. Esta foi uma pequena vitória para o público em geral, tal como a desintegração do apartheid foi uma vitória para toda a humanidade.
Quem são os heróis? Onde quer que cada um de nós aja segundo as suas convicções, sempre que cada um de nós luta por um maior nível de equidade, perdão, humildade e serviço à humanidade, damos um passo para libertar uma geração da sua prisão de sofrimento. Em lugares desconhecidos alcançamos as nuvens e tornamo-nos um pouco mais heroicos.
Quando nós, enquanto sociedade, percebemos que é difícil superamo-nos, podemos questionar-nos: O que faria um herói de consciência? Estará cada um de nós disposto a sofrer pelas suas crenças e convicções, de uma forma que aperfeiçoe mais a alma do que o corpo? Se assim for, então esta alimentação diária da consciência pode revelar ser o segredo da nossa sobrevivência.
Fonte: Povo de Bahá