Às vésperas de completar um mês com cadeira vaga, nada se sabe sobre a próxima indicação para o STF

A articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) protocolou ofício usando a lei de acesso à informação para dar transparência ao processo, mas o procedimento de escolha continua invisível e sem debate público com a sociedade.

Na próxima terça-feira, dia 18 de dezembro, o STF completará um mês com uma de suas cadeiras vaga, devido à aposentadoria do Ministro Ayres Britto, que deu início a mais um processo de indicação presidencial ao Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de ser pública e determinada a data de aposentadoria do Ministro, tornando previsível, portanto, a necessidade de um novo procedimento de indicação, passados praticamente 30 dias, nada se sabe sobre o processo de escolha do próximo nome para a última instância do Judiciário brasileiro. Não se sabe se o processo ainda não foi desencadeado – o que é preocupante, diante da importância do cargo – ou se continua sendo realizado sem nenhuma transparência e possibilidade de debate público com a sociedade – o que gera preocupações ainda maiores para o sistema democrático.

A articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), formada por organizações de todo o país que atuam com litigância em direitos humanos e trabalham em uma agenda para a democratização da justiça, protocolou ofício no dia 14 de novembro em que, com base na Lei de Acesso à Informação, reivindica transparência no processo de escolha do nome indicado para a vaga do Ministro Ayres Britto no STF.

O pedido de informação foi protocolado junto ao Ministério da Justiça e à Casa Civil da Presidência da República e, no dia 5 de dezembro, ambos os órgãos apresentaram resposta. Apesar das diversas solicitações de informações realizadas pela JusDh no referido ofício, ambos os órgãos limitaram-se a responder que “não existe comissão formalmente instituída para análise de possíveis candidatos” e que “a matéria é de competência privativa da Presidenta da República”, que escolherá de acordo com os critérios do artigo 101 da Constituição Federal.

Considerar que o artigo 101 da Constituição já é claro e transparente no estabelecimento de critérios, por prever o perfil de “cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, parece soar como descaso em relação à relevância da função de Ministro do Supremo para o país, e à importância da transparência e contribuição que a sociedade brasileira pode produzir no processo.

Ressalte-se que dentre as solicitações do ofício constavam o pedido de informação acerca dos nomes das pessoas cogitadas para o preenchimento da vaga, o que sequer foi mencionado nas respostas oficiais, mantendo a cultura política de silêncio sobre este importante processo constituinte da política pública de justiça, o que será questionado mediante a interposição de recursos previstos na Lei de Acesso à Informação.

A Articulação Justiça e Direitos Humanos reivindica transparência, diálogo e compromisso com os direitos humanos como critérios no procedimento de escolha do/a novo/a Ministro/a do STF, tendo em vista a expansão de sua presença e poder na determinação de questões centrais de direitos humanos para toda a população do país.

Entrevista do Ministro Luiz Fux

No dia 2 de dezembro deste ano, o Ministro Luiz Fux, primeira indicação da Presidenta Dilma Rousseff ao STF, revelou em entrevista à Folha de SP que os/as candidatos/as a uma vaga no STF percorrem um intenso trajeto lobista, com vistas a obter apoio político para a sua indicação.

Como observado, tal revelação gerou polêmica ao tornar evidente o fato de que há intensa movimentação nos bastidores da presidência para chegar à escolha de um nome a ser indicado para o STF. Neste sentido, a entrevista do Ministro evidencia que as respostas apresentadas ao ofício da JusDh apenas reproduzem uma cultura política distante da transparência compatível com a importância da indicação para o STF como momento da política pública de justiça em nosso país.

Ganha força, assim, a necessidade de reflexão sobre o atual procedimento de escolha realizado no Brasil, um processo desprovido de transparência, em que não se conhece os critérios utilizados para escolha e os nomes cogitados. Enfim, um processo em que não há debate público com a sociedade acerca das possibilidades e do perfil de Ministros que darão a palavra final sobre os temas de interesse público e social referentes aos direitos humanos em nosso país.

PECs propondo alterações no procedimento de indicação em curso

A necessidade de alteração no procedimento de indicação para o STF vem sendo manifestada também através de diversas Propostas de Emenda Constitucional em trâmite no Congresso Nacional. Embora algumas delas tenham teor conservador e outras sejam mais inovadoras, todas representam a insuficiência do atual modelo brasileiro.

Vale mencionar que as possibilidades de mudança no procedimento de indicação não se resumem às PECs, podendo ser realizadas a partir de outras formas normativas. Um exemplo interessante, neste sentido, é o Decreto Presidencial Argentino nº222 do ano de 2003, expedido para regulamentar a forma como deve ocorrer o procedimento de indicação presidencial para a Corte Suprema de Justiça daquele país.

Neste sentido, é preciso identificar que a sociedade brasileira reivindica mecanismos de transparência e participação no procedimento de escolha, de modo a conferir a devida legitimidade política a um órgão que vem expandindo suas funções e poderes de decisão sobre esferas e temas de notável interesse e impacto social, sobretudo no que diz respeito à efetivação dos direitos humanos em nosso país.

Ressalte-se que se trata da necessidade de democratizar o processo de indicação, o que certamente não significa deslocar o poder de indicação de uma esfera de interesses políticos (Presidência da República) para uma esfera de interesses corporativos (Poder Judiciário), como propostas mais apressadas poderiam sugerir. Há que se ter cuidado para não confundir política corporativa com a autonomia e independência imprescindíveis para uma justiça democrática.

O que é certo neste tema é a necessidade de se produzir um debate oficial e aberto sobre o processo e os critérios de indicação para este importante cargo da justiça brasileira. Um debate sobre a introdução de mandatos se faz relevante, tendo em vista, dentre outros aspectos, a disparidade entre os períodos de permanência entre os diferentes ministros do Tribunal, com variações de até vinte anos entre os períodos de permanência.

Importa, por fim, trabalhar a compreensão do compromisso com os direitos humanos como critério objetivo para a escolha dos ministros do STF, aliado a critérios de raça, gênero e regionalidades para a composição do Tribunal, além da introdução de mecanismos de participação social no procedimento de indicação.

Comitê Executivo – JusDh

Ação Educativa

Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia

Centro de Assessoria Popular Maria Criola

Conectas Direitos Humanos

Dignitatis – Assessoria Técnica Popular

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Sociedade Paraense de Direitos Humanos

Terra de Direitos

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