De terra e asfalto

Escritores homens são mais reconhecidos. Basta checar antologias, listas de prêmios, imortais na Academia, cronistas de jornais e portais para comprovar a supremacia deles. Neste 2014, a exceção me fez lembrar da regra. Marina Colasanti levou o Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção com o seuBreve História de um Pequeno Amor. Já Ana Luisa Escorel foi a primeira mulher a vencer o prestigioso Prêmio São Paulo de Literatura com o romance Anel de Vidro.

Por Fernanda Pompeu no Yahoo 

Resta saber se premiar mulheres são chuvas de verão. Ou se haverá no futuro um melhor equilíbrio entre os sexos. Concordo que escritores, independentemente do terno ou da saia, trafegam em caminhos de muito trabalho. Mas mesmo com talentos iguais, elas vão por estradas de terra. Eles, por rodovias asfaltadas.

Isso não ocorre só no Brasil. É realidade no mundo todo. Citemos o Prêmio Nobel de Literatura, cujo placar é 98 para eles e 13 para elas. Em cima dessa desproporção, a romancista Luisa Geisler, em matéria recente publicada no jornal O Globo, fez uma pergunta instigante: “Será que as mulheres escrevem tão mal assim?”

Acho que as escritoras estão presas numa espiral viciosa. São menos citadas, menos resenhadas, menos indicadas, menos compartilhadas. Até hoje, a literatura é território masculino. É claro que não se compara com o futebol, no qual o tratamento midiático e social dedicado ao craque Neymar e à craque Marta é escandalosamente desigual.

Luisa Geisler também anota que o machismo nas letras não é consciente: “Nunca é uma cúpula de homens rindo maleficamente e planejando calar todas as mulheres por serem tão inferiores”. Concordo com ela. Machismo, racismo e outros preconceitos quase nunca são conscientes. Só fanáticos declaram discriminar. Aliás, esse véu é um dos grandes problemas para combater preconceitos.

O entrave é mais profundo. Não é uma cárie, é um canal infeccionado. Faz dez anos, eu escrevia para aGazeta Mercantil, de São Paulo. Minha tarefa era pesquisar para redigir perfis de escritores latino-americanos. A escolha dos nomes era minha, o editor não interferia. Mas eu não escrevi sobre nenhuma mulher.

A razão para omitir as escritoras foi de caráter prático. Era muito mais fácil obter biografias, fortunas críticas, anedotas sobre eles do que sobre elas. Como eu tinha que trabalhar rápido, deixei as colegas de lado. Acredito que hoje, com melhor consciência, me esforçaria muito mais para tirá-las do armário.

+ sobre o tema

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz...

para lembrar

O nazismo no governo Bolsonaro e a escalada do racismo no Brasil

Teoricamente há uma distinção entre as ideologias de “supremacia...

‘Lentidão e descaso com os pobres’: como governos brasileiros reagiram a epidemias na História

Desde que foi "descoberto", o Brasil enfrentou várias epidemias,...

Caso Miguel: Justiça de PE prorroga prazo para ex-patroa apresentar defesa

Os advogados da primeira-dama do município de Tamandaré (PE),...

Quem é contra o Bolsa Família ou é mal-intencionado, ou está mal-informado

  Sempre que a oportunidade aparece, ressuscita a...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...
-+=