2º ano da série eleva o nível apresentado pela produção da Netflix e oferta ao espectador rara oportunidade de entretenimento banhado em reflexão
Por Reinaldo Glioche Do IG
Não é uma tarefa fácil superar um primeiro ano quase perfeito. O desafio de “Dear White People” era tão raro quanto gigantesco, mas a segunda temporada da criação de Justin Simien – também diretor e roteirista do filme de 2014 no qual a série se baseia – supera toda e qualquer expectativa, por mais elevada que fosse.
“ Dear White People : Volume 2” começa com a repercussão dos incidentes que encerram o primeiro ano. A universidade de Winchester vive uma polarização que espelha o que vivemos no mundo neste momento. Como resposta ao ativismo intransigente de Sam (Logan Browning), o campus ver nascer um movimento de direita radical e beligerante. Qualquer semelhança com a América que elegeu Trump após oito anos de mandato de Obama não é mera coincidência.
A série é sagaz ao mostrar como a internet pode desestabilizar o tecido social e ser uma ferramenta da propagação do ódio, mas também de resistência a ele. O que diferencia a produção de outras séries e filmes com a proposta de promover um debate franco sobre o racismo é sua capacidade de dar fluxo às ideias de maneira orgânica e oxigenada, bem como de confrontar dogmas, paradigmas e convicções.
O segundo ano, em particular, é muito feliz em escalar bons tópicos explorados no primeiro ano como as microagressões raciais e o preconceito alojado também nas minorias. Toda sorte de intolerância, principalmente aquela disfarçada, é descontruída de maneira inteligente pelo roteiro.
Segue intacto o grande trunfo de “Dear White People”. O de recusar certezas absolutas e penetrar com o dedo rígido feridas abertas ou cicatrizadas. Coragem e organização narrativa ganham relevo pelo desprendimento da série de se oferecer como sátira entrecortada por momentos de drama pungente. O fato de a perspectiva negra preponderar em episódios como luto e aborto tornam tudo ainda mais mesmerizante.
Simien experimenta em termos de linguagem e discurso no 2º ano da série e o resultado não poderia ser intelectualmente mais estimulante. Uma dessas brincadeiras é a participação de dois dos principais atores do filme: Tyler James Williams e Tessa Thompson. Essa última, a Sam do filme, protagoniza uma cena inflamatória do ponto de vista metalinguístico com a Sam da série no episódio derradeiro do segundo ano.
O segundo ano de “Dear White People”
A densidade dos diálogos é um dos pontos fortes da nova temporada. Quando menos se espera, a situação mais trivial desemboca em um debate franco, articulado e empolgante. O ritmo é de thriller e o humor, impactante de uma maneira peculiar. Inclusive a função social do humor no combate ao racismo, mas também na defesa das liberdades, é muito bem dimensionada na 2ª temporada.
A jornada do personagem Troy (Brandon P. Bell) é a mais interessante do novo ciclo. O personagem vai para um lugar novo e lida com suas inseguranças de uma maneira bastante corajosa e o humor desponta como uma ferramenta valiosa nesse cenário.
O afeto que Simien nutre por seus personagens em momento nenhum os poupa de serem confrontados com suas contradições. Nesse compasso é justamente Sam quem mais fica sob o microscópio. E a série é de uma franqueza cativante com ela.
O elemento a fundamentar “Dear White People”, que é dar espaço e contexto para todos os personagens, se mantém intacto e, se Simien absorve algum pessimismo com o estado das coisas – repare na evolução do arco envolvendo o reitor de Winchester e o policial que sacou uma arma para Reggie (Marque Richardson) no primeiro ano -, consegue fiar-se em referências como “Harry Potter” para redimensionar a série para uma inevitável e já muita hypada terceira temporada.