Deixar-se

Todomundo conhece, ou vai conhecer, a dor de ser deixado. Milhares de canções falam disso há gerações e gerações. Ser trocado por um coleguinha na infância, esquecido por uma amiga em qualquer idade. Ser abandonado por um amor. A sensação sentida não é bolinho, nem melzinho na chupeta. Difícil tirar de letra a experiência do abandono. Talvez seja semelhante a observar, do cais, um barco naufragar. Depois de tudo, só ficam espumas brancas e a imensidão azul.

Por  Fernanda Pompeu Do Yahoo

Mas existe outra dor, mais velada e menos homenageada em prosa e verso, que é a dor de quem deixa. Ou mesmo a pena de quem trai. Pois se você ainda não traiu algo ou alguém, pode escrever: vai rolar. É evidente que há uma hierarquia na traição, por exemplo, trair ideias é menos grave que trair pessoas. Trair estranhos é mais fácil do que apunhalar conhecidos. Trair aqueles que amamos, então, é terremoto com mais de 9 graus nas escala Richter.

Trair a si mesmo? Uau! É coisa de rasgar o peito com peixeira afiada. Apertar o cérebro com chave inglesa. No entanto fazemos não uma só vez, mas algumas pelo escorregar da vida. Eu já experimentei. Deixe-me levar para situações que desdiziam e até negavam valores que creio. O mau-estar foi total e na maior parte, com esforço e coragem, voltei ao prumo. Como forma de compensação reafirmei os antigos valores com ilusão e entusiasmo.

No entanto, às vezes são os valores, as crenças, as verdades, os ideais que nos traem. Eles se apequenam ou arrancam a máscara com que nos seduziram. Acho que é o que ocorre com o crente que deixa de acreditar em Deus, com o capitalista que se desilude dos bens que o dinheiro compra. Com o casal que percebe que a felicidade escapou pelo ralo do apê. Com o convicto solteirão ao se dar conta que a vida de casado seria o céu. A garota de programa sonhando com a vida num convento. A madre superiora fantasiando com a rotina de um bordel.

Nesses momentos radicais, de inflexão, de pezinho na beira do penhasco, é que começamos a entender a arte de se deixar. A mais profunda entrega ao que ainda não conhecemos, mas queremos provar. O caminho a ser desbravado, pois gostamos de onde ele nos levará. Em frente, há só horizonte. Por cima, nuvens ciganas. Ao lado, tudo o que vivenciamos. Em baixo, a fluidez das águas. Friozinho na barriga. Adeus e avante!

+ sobre o tema

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a...

para lembrar

Periferia em estado de sítio?

Guilherme Boulos e Guilherme Simões*   Nas últimas semanas,...

Mais médicos, por favor. E mais rápido

por : Mauro Donato Dois enfermeiros, um com as mãos no...

Zé de Abreu: Escândalos nascem nas redações

  Zé de Abreu é ator da Globo....

O racismo da defesa exclusivista do molde “cristão” de família – por Robson Fernando de Souza

  A família “cristã” idealizada pelo imaginário conservador: branca, com...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...

Brizola e os avanços que o Brasil jogou fora

A efeméride das seis décadas do golpe que impôs a ditadura militar ao Brasil, em 1964, atesta o apagamento histórico de vários personagens essenciais...
-+=