O racismo da defesa exclusivista do molde “cristão” de família – por Robson Fernando de Souza

 

A família “cristã” idealizada pelo imaginário conservador: branca, com poucos filhos e amparada por remuneração robusta

Um detalhe que poucos percebem nos esforços do fundamentalismo cristão de “defender a família” é o caráter racista dessa defesa e o eurocentrismo do modelo familial dito “cristão”. Os militantes conservadores consideram “pecaminosos” e “desviados” aqueles modelos de família que destoem do padrão branco-europeu e burguês de um casal heterossexual monogâmico acompanhado de poucos filhos.

Esse racismo pode ser percebido por pelo menos dois meios: primeiro, a negação e demonização de padrões africanos, ameríndios e asiáticos de família em promoção do padrão típico da burguesia euro-americana; segundo, a própria exibição imagética de “famílias cristãs” quase sempre brancas e vestidas de acordo com os costumes europeus modernos em qualquer um dos membros da família.

Não se enxerga nessa “defesa da família” a diversidade de organizações familiais ao redor do mundo. A África por exemplo, com seu enorme universo de culturas e etnias, conta com inúmeros modelos de composição familial, sendo mais conhecido o modelo de família estendida assim descrito pelo site de Ifatolà:

“O sistema modelo de família, para o africano, normalmente é a numerosa. Onde normalmente vivem juntos, pai, mãe, tios, tias, primos e primas e outros parentes em um mútuo amor e respeito.”

Além disso, eram comuns na África Subsaariana pré-colonial e colonial as relações homoafetivas, com direito a relações conjugais entre pessoas do mesmo sexo em determinadas situações e culturas, conforme relata Stephen O. Murray neste texto.

Entre os povos nativos das Américas, também  há uma considerável diversidade familial, tendo destaque também o modelo extenso, mencionado em documento da Secretaria de Educação do Paraná:

“Em geral, a base da organização social de um povo indígena é a família extensa, compreendida como uma unidade social articulada em torno de um patriarca ou de uma matriarca por meio de relações de parentesco ou afinidade política ou econômica.

Uma família extensa indígena geralmente reúne a família do patriarca ou da matriarca, as famílias dos filhos, dos genros, das noras, dos cunhados e outras famílias afins.”

Da mesma forma, a homoafetividade era, e em alguns casos ainda é, comum entre os nativos da América do Norte, conforme nos mostram os winkte dos povos Sioux e os “duplos espíritos” de diversas culturas daquele subcontinente, estes últimos miticamente dotados ao mesmo tempo de um espírito feminino e um masculino e presumivelmente bissexuais.

Por isso, negar a validade de famílias que não correspondem ao padrão cristão burguês euro-americano e considerá-las “pecaminosas” é inferiorizar e demonizar as culturas praticadas e trazidas por pessoas de raças não brancas.

Por outro lado, é curioso que, quando procuramos por imagens de “família cristã”, mais de 80% das fotos e desenhos de famílias estereotipicamente cristãs sejam de famílias brancas, de classe média ou alta e vestidas conforme os costumes europeus contemporâneos. Em pesquisa quantitativa feita no Google Imagens por essa expressão, das primeiras 50 fotos e desenhos de famílias cujos indivíduos podiam ter sua raça identificada, apenas seis tinham pelo menos um membro negro, e todos estavam vestidos como integrantes de famílias endinheiradas típicas da Europa e da América Anglo-Saxônica.

À primeira vista, não parece haver relação entre essa breve pesquisa e o modelo dito “cristão” de família. Mas, quando conhecemos um pouco da organização familial e da homo e bissexualidade entre povos nativos da África e da América, passa a fazer sentido o caráter alvi-eurocêntrico e burguês da tal “família cristã”.

A imagem mental que temos é que esse modelo defendido como “único aprovado por Deus” atende aos parâmetros etno-raciais da burguesia urbana da Europa moderna – brancos, vestidos como possuidores de alta remuneração e com poucos filhos. Não se identifica com os tantos modelos familiais africanos e ameríndios nem com as famílias de numerosos filhos dos meios pobres rural e urbano dos próprios países cristãos.

Percebendo todos esses detalhes de como é idealizada a “família cristã” no imaginário popular, acabamos por constatar que a tal “defesa da família”, além de ter caráter racista, é etnofóbica, eurocêntrica e elitista. Ela nega a validade das famílias de outras culturas e herdadas ao mundo ocidental moderno pelas raças não brancas, além de excluir do seu imaginário “modelo ideal de família” aqueles conjuntos familiares pobres das cidades e do campo.

Ou seja, a “defesa da família” por parte dos cristãos conservadores é nada menos que a própria ameaça à família, além de ameaçar aquelas culturas e subculturas que divirjam dos padrões europeus. Ela própria periga condenar à assimilação cultural eurocêntrica, e à consequente aniquilação das suas culturas, os não brancos.

 

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Fonte: Consciência

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