Enchente:Insatisfação geral

Há o que comemorar no aniversário de 456 anos da cidade de São Paulo?

ODED GRAJEW e PADRE JAIME

NO MOMENTO em que a população paulistana volta a enfrentar situações até então tida como superadas -alagamentos catastróficos, recordes de congestionamentos, habitações insalubres, entre tantos outros problemas que vêm à tona diariamente-, fica difícil encontrar motivos para comemorar os 456 anos de São Paulo.


Os fatos concretos fazem com que a cidade enfrente uma grave crise de credibilidade perante seus cidadãos. E a insatisfação dos paulistanos está retratada na recém-lançada pesquisa do Movimento Nossa São Paulo encomendada ao Ibope. De 1 a 10, os paulistanos avaliam sua qualidade de vida com uma média de 4,8 -nota que se reflete em outros dados importantes: 87% das pessoas consideram São Paulo um lugar inseguro e, se pudessem, 57% sairiam da cidade.


Essas são apenas algumas das dezenas de questões abordadas na pesquisa que, de forma inédita, avaliou o grau de satisfação da população sobre os indicadores de bem-estar levantados durante a fase de consulta pública do Irbem (Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município), realizada entre junho e outubro de 2009 com mais de 36 mil pessoas.


Em dezembro, o Ibope foi às ruas e perguntou sobre o grau de satisfação da população em 25 áreas temáticas, detalhadas em 174 itens. Destes, só 39 receberam nota acima da média.


Outro dado revelador foi obtido com a pergunta sobre o tempo de espera no sistema público de saúde. Entre os usuários, a média ficou em 65 dias para consultas, 77 dias para exames e 162 dias para procedimentos mais complexos, como cirurgias. Como podemos falar em comemoração quando outra pesquisa do Nossa São Paulo com o Ibope revelou que o paulistano passa em média duas horas e 43 minutos por dia no trânsito? Quando nossos rios, que poderiam servir para transporte, esporte e lazer ou como fonte de água, são verdadeiros esgotos a céu aberto?


A insatisfação generalizada está calcada em dados objetivos, já que os indicadores sociais e econômicos continuam atestando a marca cruel da desigualdade na capital paulista.


Por exemplo, na Subprefeitura da Sé, 0,31% dos domicílios são favelas, enquanto no Campo Limpo esse percentual é de 40,4%. A diferença (que chamamos de desigualtômetro) é de 130 vezes. Várias regiões são absolutamente carentes de empregos, leitos hospitalares, áreas verdes e equipamentos públicos culturais e esportivos (pode-se conferir no site www.nossasaopaulo.org.br).


É bem verdade que a força da sociedade civil é um fato que merece comemoração em São Paulo. Força esta que proporcionou o início de uma verdadeira revolução na administração pública municipal, com a aprovação da lei do Programa de Metas (que obriga todo prefeito recém-empossado a apresentar, em até 90 dias, um conjunto de metas para toda a gestão), apresentada pelo Movimento Nossa São Paulo e que, justiça seja feita, contou com o apoio do Poder Executivo e da Câmara Municipal.


Hoje, qualquer cidadão pode acompanhar, via internet, a execução de cada uma das 223 metas apresentadas pela prefeitura. Muitas das metas, se cumpridas, ajudarão a reduzir as diferenças internas em nossa cidade, além de elevar o grau de satisfação da população com o lugar onde vive.


Nós, do Nossa São Paulo, movimento apartidário que busca o desenvolvimento justo e sustentável da cidade, esperamos que os dados do Irbem sobre a grande insatisfação da população com a qualidade de vida, somados a uma análise responsável dos indicadores sociais e econômicos que revelam enorme desigualdade e exclusão em São Paulo, promovam uma saudável autocrítica na sociedade e no poder público.


Torcemos para que não tomem atitudes defensivas ou busquem culpados, mas que assumam as responsabilidades e reorientem ações e prioridades para que possamos ter realmente muitos motivos para comemorar nos próximos aniversários da cidade.

ODED GRAJEW, 65, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo. É também membro do Conselho Deliberativo e presidente emérito do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).

JAMES CROWE, 65, o padre Jaime, teólogo, é presidente da Associação Sociedade dos Santos Mártires e integrante do Movimento Nossa São Paulo. Foi organizador da Caminhada pela Vida e pela Paz e criador do Fórum em Defesa da Vida e pela Superação da Violência.

Fonte: Folha de São Paulo

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