INDICAÇÃO PARA O STF: Novo Ministro, velha escolha

Enviado por Rodnei Jerico para o Portal Geledés

No dia de ontem, 10 de setembro de 2012, o Supremo Tribunal Federal teve um novo ministro indicado pela Presidenta da República sem qualquer respeito à transparência ou diálogo social. Recentemente, no mais alto Tribunal da justiça brasileira, foram julgadas questões da maior relevância para a sociedade brasileira, tais como a demarcação das terras indígenas, o direito à consulta prévia e informada, as políticas de ação afirmativa, o direito das mulheres sobre o seu corpo e o reconhecimento civil do casamento homossexual.

Do STF, se espera com grande expectativa decisões sobre a questão quilombola, sobre a prevalência da função social da propriedade, a definição acerca da classificação indicativa, sobre o reajuste do piso salarial dos professores públicos, sobre a inconstitucionalidade do ensino religioso e a vigência da Lei de Anistia e dos crimes da Ditadura.

As organizações e movimentos sociais brasileiros estão certos da importância em voltar a sua atenção e contribuição democrática para o Poder Judiciário e o Sistema de Justiça. Basta constatar as numerosas e variadas decisões que tratam de direitos humanos nas varas judiciais. No entanto, tal compreensão e cultura democráticas de justiça ainda não foram incorporadas aos procedimentos que dizem respeito às definições acerca dos rumos da política pública de justiça no Brasil.

A despeito de reiteradas manifestações da sociedade civil organizada nas ocasiões recentes em que foram abertas as vagas para o STF, o povo brasileiro recebe o novo ministro indicado da mesma maneira como o Estado brasileiro tem feito há décadas: sem qualquer debate público prévio sobre potenciais indicados e suas qualificações. A falta de transparência não é novidade e reflete um problema institucional e histórico.

Na última indicação, em um processo que se estendeu de agosto a dezembro de 2011, foi endereçada à Presidência e ao Ministério da Justiça uma Carta com a adesão de cinquenta entidades de todo o Brasil solicitando:

1) Disponibilização no portal eletrônico da Presidência da República dos nomes e antecedentes curriculares das candidaturas que se encontrem em consideração pela Presidência;

2) Abertura de prazo para consulta e audiência pública a respeito dos pré-candidatos, e publicização das informações;

3) Elaboração e publicação de relatório final que justifique a escolha do candidato ou candidata que será submetido à sabatina do Senado.

Compreende-se que esses são procedimentos mínimos que a indicação de um ministro para o Supremo Tribunal Federal deveria observar, além do critério fundamental de que o candidato tenha um compromisso biográfico com a efetivação dos direitos humanos, aliada à erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais, visando a promover a dignidade humana.

Vale também a reflexão sobre as três indicações que couberam à Presidenta Dilma Roussef desde a sua posse. Das três vagas abertas, foram escolhidos três ministros/a de outros Tribunais Superiores, sendo dois homens provenientes do Superior Tribunal de Justiça e uma mulher do Tribunal Superior do Trabalho. Nestes termos, uma certa fórmula de indicação vem se desenhando no período recente, fórmula que deve ser debatida democraticamente, o que torna ainda mais necessárias a transparência, a abertura à participação e a observação de critérios de conteúdo no processo político de indicações para o STF, processo que exerce grande influência na política pública de justiça do Brasil.

Próximo passo: sabatina no Senado Federal

Após o controverso processo de indicação, o candidato deverá ser sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça e submetido à aprovação do plenário do Senado Federal.

Este é um momento em que a sociedade deve se organizar e se mobilizar para participar, de modo que a sabatina deixe de representar, de uma vez por todas, um evento de celebração da indicação presidencial e de felicitações ao candidato sabatinado.

Cumpre à sociedade organizada interferir para que o preenchimento das vagas do STF, dos Tribunais Superiores e do próprio Conselho Nacional de Justiça correspondam aos anseios de uma sociedade efetivamente democrática e de uma política de justiça voltada à realização da justiça social.

Nesse sentido, foi apresentada pelas organizações da JusDh, no ano de 2011, uma proposta para a alteração dos procedimentos da sabatina visando a inclusão de mecanismos de transparência e participação social. Entre as propostas concretas, pedíamos que fosse incluída a disponibilização virtual do relatório com informações sobre o sabatinado, bem como a abertura de consulta pública sobre a indicação, além da possibilidade de convocação de audiência pública anterior à sabatina.

A proposta foi incorporada ao Projeto de Resolução do Senado 08/2011 que, no entanto, está paralisado naquela Casa Legislativa. Em paralelo à pressão pelo andamento e aprovação dessa proposta, cabe à sociedade exigir que os senadores da CCJ convoquem audiência pública anterior à sabatina. De fato, só em um momento público de discussão é que se poderá efetivamente inquirir o candidato acerca de suas posturas, convicções e habilidades referentes às temáticas de direitos humanos, temáticas que tenderão a ser definidas em âmbito nacional a partir da contribuição direta do candidato sabatinado.

Em ação paralela às pressões pela alteração do procedimento, a sociedade pode e deve enviar aos senadores questões para que sejam formuladas ao candidato na sabatina oficial, de modo a, ainda que indiretamente, provocar a sua manifestação acerca de temas de extrema relevância para os rumos da sociedade brasileira.

Ressalte-se, por fim, que estas propostas são também relatos dos esforços realizados nos últimos anos para avançar na democratização do Poder Judiciário e da política de justiça no Brasil. Desde logo vale alertar que no mês de novembro deste novo processo de indicação ocorrerá a partir da aposentadoria do Min. Ayres Britto, momento em que estas questões se colocarão novamente diante da sociedade.

A JusDh segue com a convicção sobre a importância da participação social nas definições da política pública de justiça, e continuará, em conjunto com as organizações e movimentos sociais, atuando pelo compromisso de uma justiça voltada à realização dos direitos humanos em nosso país.

 

Fonte: JusDh – Articulação Justiça e Direitos Humanos

+ sobre o tema

Cimi registra ataques a povos indígenas em três estados

Os conflitos entre produtores rurais e grupos indígenas continuam no...

Carta aberta do professor Boaventura de Sousa Santos às autoridades brasileiras

Apoio aos povos indígenas e repúdio à PEC 215/200 no...

Concursos públicos oferecem 35 mil vagas com salários de até R$ 12 mil

Candidatos podem disputar oportunidades de emprego em 21 Estados Estão...

Direito ao aborto é incluído em esboço da nova Constituição chilena

O direito ao aborto foi incluído no esboço da nova Constituição chilena...

para lembrar

Mamilo invertido, prótese, leite fraco; veja 15 mitos da amamentação

Diariamente as mulheres são desencorajadas a amamentar. Diante da...

A felicidade não é uma futilidade nem um luxo, diz secretário-geral da ONU em Dia Internacional

    Para comemorar o Dia Internacional da Felicidade, celebrado em todo...

Apesar de tratamento avançar, doenças falciformes crescem em países pobres

Artigo assinado por pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Reino...

História inspiradora de baiano com deformidade rara alcança milhões no mundo

A fantástica história de um brasileiro que vem vencendo...
spot_imgspot_img

Mais de 335 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil

O número de pessoas vivendo em situação de rua em todo o Brasil registradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal,...

Geledés participou do Fórum dos Países da América Latina e Caribe

A urgência da justiça racial como elemento central da Agenda 2030 e do Pacto para o Futuro, em um ano especialmente estratégico para a...

Na ONU, Anielle Franco diz que reparação pela escravidão é ‘inegociável’

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, defendeu na ONU, nesta segunda-feira, a ideia de uma reparação diante dos crimes contra a humanidade cometidos...
-+=