Ivanir dos Santos: Ainda há esperança em prol da tolerância

A virada do ano de 2020 para o ano de 2021 começou com grandes conquistas na luta pela liberdade religiosa no Brasil e principalmente no Rio de Janeiro, após as primeiras ações em defesa da liberdade religiosa que aconteceram no ano de 2008 pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). O início do ano foi aprovado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) o projeto de lei do Mandato Coletivo deputado estadual Flavio Serafini (PSOL) que inclui no calendário oficial do estado o dia 21 de setembro como Dia Estadual da Libertação do Acervo Sagrado. A data é em menção ao dia em que os objetos sagrados das religiões de matrizes africanas foram transferidos do Museu da Polícia para o Museu da República, depois de 60 anos de apreensão.

Em meados do mês de Janeiro de 2021, foi criada na Câmara Municipal do Rio de Janeiro a Frente Parlamentar pela Liberdade Religiosa e o Estado Laico com a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa. Em parceria com a CCIR, a Frente Parlamentar organizou o primeiro encontro, que por conta da pandemia da covid 19 aconteceu em formato virtual, com o objetivo de pontuar e promover ações em prol das liberdades e contra a intolerância religiosa no município.

Já no começo do mês de fevereiro a deputada estadual Martha Rocha (PDT) protocolou pedido de criação de CPI da Intolerância Religiosa para investigar os casos no estado. A deputada levou em consideração os registros da Polícia Civil, que apontam de cerca de 6.700 crimes de intolerância, entre 2015 a 2019, e registrados 1.355 casos, segundo o ISP, no ano de 2020. Ainda em fevereiro, a Alerj aprovou o projeto de lei que direciona a política de combate à intolerância religiosa no ambiente escolar do Estado do Rio.

O projeto, de autoria do deputado estadual Waldeck Carneiro (PT), pode vir a ser uma das maiores estratégias de combate à intolerância religiosa no estado, uma vez que os dados estatístico apresentados no relatório sobre os casos de Intolerância Religiosa no Brasil, publicado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa em parceria com o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), apontam que as escolas brasileiras são um dos lugares de maior disseminação e casos de intolerância religiosa. Elas aparecem em terceiro lugar com o maior casos de intolerância religiosa no Brasil.

Vale pontuar que intolerância religiosa é um dos maiores desafios sociais e políticos na contemporaneidade. No momento atual assistimos uma grande discussão, nos vários nichos sociais, sobre a intolerância religiosa no país. Fruto do desenvolvimento da ideologia racista, fomentada entre os séculos XVII e XIX, a intolerância religiosa serviu para justificar a dominação e a colonização das populações negras em África, o traslado e a escravidão dos mesmos nas Américas, principalmente no Brasil.

Jamais podemos deixar de mencionar que sobre os princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988, que diz que no seu Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos, conforme se observa: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Deste modo, podemos dizer que essas conquistas, que são de vanguarda no estado, demonstram avanços significativos na luta pela liberdade religiosa, contra a intolerância e em prol do estado laico. Entretanto, para que tal realidade de liberdades possa ser vivida e sentida por todos os cidadãos brasileiros precisamos fortalecer a proposta do Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, apresentada pela CCIR em 2008 e que até o presente momento não foi levada à diante pelas autoridades públicas.

Ivanir dos Santos

É babalawô e professor-doutor PPGHC/UFRJ e CEAP

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