Justiça por Igor Melo e Thiago Marques

Nosso Estado está autorizado a atirar para só depois perguntar

A cabeleireira Josilene da Silva Souza, 42, teria tido o seu celular roubado na Penha, zona norte do Rio, no último domingo (23). Na delegacia, Josilene e seu marido, o policial militar da reserva Carlos Alberto de Jesus, afirmaram que os assaltantes estariam em uma moto azul, o motorista com uma camiseta preta e outro com uma camiseta amarela. Duas horas depois, Carlos e Josilene encontraram duas pessoas em uma moto e o PM atirou contra elas.

O policial militar resolveu disparar contra o motorista de aplicativo Thiago Marques, que levava o estudante Igor Melo para casa depois do trabalho, afirmando, primeiro, que este estava armado e, depois, mudando a sua versão, disse que pensou que ele estava armado. Nem Thiago nem Igor participaram de qualquer assalto —há provas para isso, como o fato de que Igor estava trabalhando no momento do suposto crime— nem a arma, nem o celular roubados foram achados com eles.

Mesmo assim, com o reconhecimento em um álbum de fotografias na delegacia, Igor e Thiago foram presos (depois soltos) e o PM e sua mulher não.

Está tudo aí nesse caso: a criminalização de pessoas pobres a despeito da patente falta de materialidade da acusação; a autorização dada na prática às polícias, inclusive a agentes negros, para praticarem tentativa de homicídio de forma impune; o reconhecimento fotográfico indevido feito na delegacia com pessoas de características físicas semelhantes (codinome para negros e pobres); a desvalorização da vida humana diante da acusação de roubo de celular.

Por trás do que poderia parecer apenas mais um caso corriqueiro de violência está a síntese de um Estado que se sente autorizado a atirar e depois perguntar.

Referindo-se ao episódio em que um policial militar persegue, acusa e dispara contra duas pessoas em nome de sua mulher, o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro disse ao jornal O Globo não se tratar de um caso de “justiça com as próprias mãos”. O escárnio contra o respeito à lei está na arma do policial da esquina e na caneta do secretário de Segurança.

Thiago Marques e Igor Carvalho, vítimas de tentativa de homicídio por parte de um policial militar da reserva – Arquivo pessoal/Reprodução/Redes Sociais

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