Lauryn Hill e a entrevista para a Rede Globo

A cantora americana Lauryn Hill chega nos próximos dias para algumas apresentações. Dois dias atrás Ancelmo Góis, do jornal O Globo, noticiou que a bela cantora, para conceder entrevista à Rede Globo de televisão, solicitou que seu entrevistador fosse negro. Ao que a emissora, no melhor estilo Ali Kamel de ser, respondeu que contrata por critérios de competência, tal e tal e que não tolera práticas racistas.

Anthony Barboza/Getty Images

Muito bom, muito interessante. É sempre assim e assim fica. É a famosa situação cômoda onde quem está em situação de poder e de comando não se questiona em momento algum do porquê de não haver pessoas negras e de outras origens em determinados espaços.

Agora, sob o argumento de que somos todos miscinegados (miscigenação esta imposta pelo estrupro sistemático de milhares de mulheres negras no passado), a moda agora virou dizer que são os negros brasileiros que estão querendo trazer o ódio e a divisão por raças para o país.

Ora, minha gente, saiamos às ruas. Olhemos quem são os homens que recapeiam asfaltos, quem são os burrinhos-sem-rabo dos grandes centros, as empregadas domésticas e auxiliares de enfermagens. Entremos nos shoppings e vejamos que sãos os atendentes, os garçons nos bares mais chiques; nas posições de mando; na grande imprensa…

Nós sabemos muito bem o que está acontecendo e a isso se dá o nome de reação. Pela primeira vez os negros brasileiros começam a pleitear, sem xororô, sem cabeça baixa, um espaço que é seu. E quem está ocupando esse espaço não vai querer cedê-lo sem discussão. Este é o cerne do problema. O resto é balela e blábláblá.

Quando Lauryn Hill pede um jornalista negro para entrevistá-la ela, sem querer e sem saber, reforça a pergunta do cartunista Maurício Pestana que no portal de jornalismo “Comunique-se” lança: “onde estão os negros em sua redação?”. E todos os que o respondem vão dizer o mesmo que diz a Globo, que diz o Kamel, que dizem todos os brancos. Ou seja, os negros não estão nesses espaços porque não se formaram para tal.

Ora, ora, ora, somente se você for negro é que você entenderá como funciona a linha quase invisível que gera separações entre negros e brancos neste país. Somente sendo negro para sentir o que é uma bolsa ser apertada ao seu lado, o que é um motorista de taxi ignorá-lo, o que é a curiosidade das pessoas em um avião para saber o que voce faz da vida…

São sutis as relações raciais no Brasil, mas não pensemos que elas não estão aí. Estão sim. E prova disso é esse debate que estamos tendo agora. Pois o grande problema do país sempre foi jogar para escanteio seus problemas, ao invés de assumi-los, discuti-los e resolvê-los.

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