Lei que exclui lésbicas de reprodução assistida cria polêmica na Espanha

Norma foi aprovada pelo Conselho Interterritorial do Sistema Nacional de Saúde

Grupos em defesa dos direitos dos homossexuais e feministas na Espanha estão protestando contra um projeto de lei que impede lésbicas de usar o sistema público de saúde para tratamentos de reprodução assistida.

O texto do projeto de lei define a esterilidade como a “ausência de consecução de gravidez após 12 meses de relações sexuais com coito vaginal sem uso de métodos contraceptivos”.

Se transformada em lei, a normativa deixaria sem atendimento pelo sistema público as mulheres que pretendem ser mães mas não querem ter envolvimento sexual com um homem para a geração de filhos.

Também são critérios para ter acesso ao financiamento público a idade do paciente (a mulher deve ter no máximo 40 anos e o homem, 50 anos) e não ter se submetido antes a esterilização voluntária.

A norma foi aprovada pelo Conselho Interterritorial do Sistema Nacional de Saúde, ainda que a proposta tenha sido rejeitada por quatro das 17 comunidades autônomas da Espanha. O texto agora segue para o Conselho de Ministros e dependerá da sanção do rei para se tornar um decreto real, passando a ser adotado em todo o país.

Na prática, algumas regiões da Espanha, como a Comunidade Valenciana e a Catalunha, há dois anos já aplicam essas restrições a mulheres que vivem sozinhas ou a lésbicas que tentam o tratamento na rede pública.

‘A falta de um homem’

A polêmica cresceu ainda mais após declaração da ministra da Saúde, Ana Mato, dizendo que não considera “a falta de um homem como um problema médico”, deixando portanto aquelas que decidem ser mãe sem a participação de um parceiro masculino na geração do filho fora da cobertura da lei.

Antonio Perdomo Rodríguez, coordenador da área de famílias da Federação Estatal de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais diz que a medida “é claramente homofóbica e misógina”, pois atenta contra os direitos das mulheres à maternidade.

— Esse critério é insultante e discriminatório, por considerar o estado civil ou a orientação sexual da mulher. É um recorte ideológico, não econômico.

Em comunicado, o Ministério da Saúde explicou que em “nenhum momento faz-se segregação por condicionantes pessoais das pacientes” e que “o requisito é a esterilidade ou os casos em que o tratamento é aconselhado como prevenção, para garantir a saúde (da mulher) e do futuro filho”. Núria Roch, representante do grupo de mulheres Te N’aDones, acredita que a proposta “tira das mulheres a capacidade de decisão sobre suas vidas, negando a existência de famílias diferentes do modelo tradicional”.

Mariluz Vázquez, da Associação de Mães Solteiras por Opção, argumenta que a reprodução humana é mais que biológica, sendo também um fator social.

— No caso de mulheres sozinhas, esse desejo é visto como um capricho, mas caso sejam parte de um casal tradicional, um homem e uma mulher, se considera um projeto de vida. No entanto, o desejo de formar uma família é o mesmo.

Mariluz lembra que, na Espanha, uma mulher viúva que tenha dois filhos já se enquadra na definição oficial de família numerosa e tem direito a ajuda econômica do governo, benefício não acessível às mães solteiras.

‘Em nome da crise’

Disposta a ser mãe solteira, Marta Posa Albert, 42 anos, gestora de um centro médico, tentou fazer o tratamento de fertilidade pela rede pública. Sem sucesso, teve que recorrer à rede privada para se submeter a uma fertilização in vitro.

— Esperei ter estabilidade financeira para ser mãe, então tive sorte, porque consegui pagar o tratamento na rede privada. Tive que arcar também com o custo dos remédios, que antes era bancado pelo governo mesmo em tratamentos privados, mas o benefício já havia sido cortado.

Marta agora mãe da pequena Blanca, de seis meses.

A professora Catalina Pallás, 47 anos, também foi mãe por fertilização in vitro pela rede particular. Ela e a esposa, a engenheira Immaculada Lluesma, 42 anos, contam que enfrentaram muitas dificuldades e gastaram todas as economias para conceber o filho, hoje com seis anos.

— Na rede pública, me disseram que eu não estava doente, não era infértil.

Presidente da Associação de Famílias Lésbicas e Gays da Catalunha, ela observa que a lei do matrimônio igualitário tem imposto mudanças que beneficiam os casais homossexuais e, por isso, considera a proposta do Ministério da Saúde um retrocesso.

— É ridícula a quantidade de dinheiro que a nossa exclusão, sendo um coletivo tão minoritário, poderia estar economizando para o erário. Esse recorte não se justifica em nome da crise.

Em entrevista à Europa Press, o conselheiro de Saúde da Comunidade Valenciana, Manuel Llombart, respaldou a ministra Mato e disse que “o sistema de saúde público existe para tratar problemas patológicos, senão teríamos que falar de outra carteira de serviços que estaria dentro de outra competência, não dentro da competência sanitária”.

Condenação

O Tribunal Superior de Justiça de Astúrias condenou a saúde pública do principado a dar acesso às técnicas de reprodução assistida a uma mulher lésbica.

De acordo com a sentença, o principado de Astúrias terá ainda que devolver a ela cerca de 8.000 euros que tinha gasto em clínicas privadas.

A região de Astúrias, no norte da Espanha, é uma das que se posicionaram contra a proposta do governo espanhol.

O Ministério da Saúde informou respeitar essa sentença e concorda que não se pode obrigar a ninguém a ter relações sexuais com quem não queira.

 

 

Fonte: R7 

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