Essa semana li uma crítica sobre como nós, feministas brancas, nos omitimos de falar sobre o ataque que sofreu a atriz Quvenzhané Wallis. Embora o assunto tenha sim me tocado, que eu tenha tuitado sobre isso, que eu não tenha escrito nada por achar que não tinha propriedade sobre o tema, a crítica me atinge. Escrever em um blog é algo permanente. O twitter, por mais que alcance muita gente, é efêmero e não serve como base de informação. Por isso, resolvi escrever esse texto mesmo que não me sinta tão preparada por não sofrer na pele a opressão da qual vou falar. E farei isso porque essa feminista que não intersecciona lutas não é a feminista que quero ser. Vamos ao mais importante: falar sobre racismo.
Quvenzhané Wallis é uma garotinha que entrou para história do Oscar pela indicação como melhor atriz aos nove anos de idade. Seria uma bela história, mas como ela é negra, essa história foi manchada pela misoginia e pelo racismo.
O preconceito precede o Oscar. Quando da indicação da pequena Quvenzhané ao Oscar por sua atuação emBeasts of the southern wild (aqui conhecido como “Indomável Sonhadora”), pareceu impossível para a imprensa americana pronunciar o nome dela. Entendo que é um nome difícil, mas também não é, por exemplo, “Schwarzenegger” ou “Wasikowska”, “Wachowski” e outros tantos famosos em Hollywood? A diferença está na cor da pele. Eu acredito que o grande desinteresse da imprensa em aprender a pronúncia é um problema racial em que o nome, aquilo que nos dá individualidade, se torna menos importante. E é necessário falar disso porque é exatamente a desumanização da pessoa negra que torna possível a violência e o desrespeito com a qual a sociedade tratou Quvenzhané na noite do Oscar.
A premiação, marcada pelas piadas misóginas, foi especialmente cruel com Quvenzhané Wallis. No palco da premiação, o apresentador Setch Macfarlane resolveu fazer uma piadinha sobre a idade dela. Compreensível, já que ela é a mais jovem indicada ao prêmio. O problema é que a piada não parou por aí, veja por si mesmo:
“Então, deixe-me falar para aqueles de vocês que foram indicados para um prêmio… então, você foi indicado para um Oscar, algo que uma criança de nove anos pode fazer! Ela é adorável, Quvenzhane. Ela falou para mim nos bastidores: “Eu realmente espero não perder para aquela velhinha, a Jennifer Lawrence”. Para dar uma idéia do quão jovem ela é, faltam 16 anos para ela se tornar muito velha para o Clooney.”
Ao apresentar uma criança de nove anos de idade, presente no evento, trajando uma bolsinha de cachorrinho, o apresentador fez uma piada que envolve sexualização, e, portanto pedofilia. Sim, pode parecer que a piada era contra o George Clooney, mas na verdade a maior vítima foi Quvenzhané. E isso foi dito para uma platéia mundial. Todo mundo viu e muita gente não observou esse aspecto da piadinha, sabe por quê? Porque ela é negra. A naturalização das ofensas contra as pessoas negras é um fato. E isso ficará claro com o ocorrido no twitter na mesma noite, já que Macfarlane não estava sozinho contra Quvenzhané, ela também foi alvo de uma piada do canal “The Onion”. E aqui eu preciso ser bem enfática ao dizer que uma piada não isenta ninguém de ser preconceituoso, babaca e/ou criminoso. A injúria foi tão absurda que arrisco dizer que é passível de processo. O tweet foi:
“Todo mundo parece ter medo de dizer isso, mas a Wallis é uma espécie de cunt”.
Cunt, em tradução literal é uma adjetivo chulo para vagina. E é usado como xingamento, portanto um termo misógino. Digamos que a significação varia de contexto, mas normalmente se aproxima muito do Bitch (puta, vadia, piranha), só que com um grau de misoginia ainda maior. Então, vamos voltar um pouco no tempo… Quando Chlöe Moretz, uma criança branca, fez o papel de Hit-girl no filme Kick Ass, ela usou o termo “cunt”. E as críticas surgiram de todos os lugares, afirmando não ser responsável expor uma criança à esse tipo de vocabulário. Porém, quando uma criança negra é agredida pelo mesmo termo, a reação não é imediata, as pessoas dizem que é apenas uma piada. A diferença de tratamento é evidente: Muitas pessoas que criticaram a atitude do The Onion sofreram retaliação por parte de comediantes, usuários do twitter, e pasme, até mesmo feministas (brancas).
O caso Quvenzhané Wallis evidencia a hipersexualização da mulher/menina negra, a coisificação, a objetificação da pessoa negra, o desrespeito da mídia com as mulheres negras que alcançam o sucesso em suas carreiras, e também nos mostra como as crianças negras são expostas à violência psicológica e verbal e tudo isso de forma naturalizada.
Fonte: A MAIOR DIGRESSÃO DO MUNDO…