Pobreza não é somente ausência de renda ou de trabalho digno

Com reduzida perspectiva de autorrealização, muitos desistem de tentar ir além

“Os pobres precisam ser mais responsáveis”. É o que dizem alguns ao observar certos comportamentos dos mais desfavorecidos. Em certo sentido, eles têm razão. Várias escolhas dos mais pobres afetam negativamente suas chances de progredir. Porém existe um contexto que influencia o processo de tomada de decisão entre os distintos grupos populacionais.

Em uma Tanners Lectures (ciclo de palestras sobre valores humanos) , Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia por suas contribuições em abordagens experimentais voltadas para verificar relações de causa e efeito em intervenções para combater a pobreza, foi direto ao ponto: “Nossas escolhas não surgem num vácuo”.

No caso dos pobres, muitos não têm acesso a água potável, moradia e renda suficiente para garantir, ao menos, uma alimentação digna. Eles necessitam, a todo momento, tomar decisões difíceis dentro de um conjunto de escolha limitado. Já os ricos não precisam assumir responsabilidades por muita coisa. Quase tudo lhes é dado. Assim, eles têm maior liberdade e segurança para focar em outras dimensões da vida.

Além disso, outro componente que afeta as escolhas é o contexto cultural em que cada um está inserido. Pesquisas apontam que os indivíduos tendem a seguir o natural fluxo das coisas. Para o bem ou para o mal, costumamos imitar a maneira de agir do lugar onde estamos. Dificilmente exercemos escolhas ativas.

Para aqueles oriundos de famílias de maior renda e maior nível de escolaridade, apenas reproduzir os padrões de comportamento de seu meio costuma gerar uma trajetória conveniente. Entretanto, para os pobres não. A inação fará com que permaneçam na pobreza.

Eles precisam quebrar alguns padrões do lugar onde nasceram e tentar galgar melhores oportunidades em uma sociedade estratificada. Algo que, em diversos casos, muitos acabam não tendo energia suficiente para fazer, pois, não raramente, estão psicologicamente e fisicamente exauridos.

Existe uma literatura recente destacando que viver sob alta restrição de recursos amplia o cansaço cognitivo e isso pode contribuir para a geração de vieses comportamentais que afetam o julgamento na tomada de decisão.

Imagine, por exemplo, chegar a um supermercado com pouco dinheiro no bolso e com o desafio de comprar comida suficiente para alimentar uma família. É preciso passar um tempo comparando preços e escolhendo o que vai para o carrinho.

Quando se tem pouco dinheiro, escolhas do dia a dia que são banais para alguns podem representar uma questão de sobrevivência para outros. Cada decisão errada pode ser determinante em suas trajetórias e o cansaço não é somente mental.

Muitos chegam exauridos em suas casas depois de longas jornadas de trabalhos, que requerem maior esforço físico. Trabalhos esses para os quais alguns precisam percorrer longas distâncias em transportes públicos lotados e com a incerteza sobre se continuarão tendo emprego e renda suficiente no futuro.

Trabalhos que garantem a muitos afortunados o conforto de nunca precisarem assumir a responsabilidade de preparar a própria comida ou limpar a própria sujeira.

Entretanto, ser pobre não é somente ausência de renda ou de um trabalho digno. Também representa ser alvo de vários maus tratos, discriminação e outros tratamentos injustos ao longo da vida. Tais fatos afetam não somente as aspirações como a autoestima. E, com baixas perspectivas de autorrealização, muitos desistem de tentar ir além.

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