Queremos dois futuros na tecnologia?

Podemos estar criando outro nível de desigualdade

Por Nina da Hora, da Folha de São Paulo

A universitária Nina da Hora, criadora do Computação da Hora Creative Technologist, na Havas Plus, e integrante do Perifa Code – Divulgação/Reprodução/Folha de São Paulo

Todo dia nos deparamos com uma notícia diferente que envolve tecnologia e suas contribuições para avanços de outras áreas. Todo dia, também com esses avanços, contribuímos para uma certa preocupação e ansiedade nos jovens que estão iniciando na carreira. No que esses avanços podem impactar seus futuros? Bom, os jovens que têm acesso a recursos e à educação de qualidade conseguem ingressar nesse tipo de discussão e provocação que faço neste parágrafo. Mas e os jovens marginalizados pela sociedade, qual a perspectiva destes em relação a esse debate? Como a tecnologia chega neles? Ela chega?

Nascemos e vivemos numa sociedade que é desigual, e como estamos caminhando para uma era cada vez mais tecnológica, precisamos ressignificar a tecnologia e seus acessos.

Essa provocação mistura passado, presente e futuro. Se analisarmos detalhadamente, visualizamos muitas brechas para o desenvolvimento e a geração de empregos a partir da tecnologia. Vemos que muitas das mudanças que a tecnologia trouxe não chegaram a todos os lugares. Sem querer, podemos estar criando outro nível de desigualdade, a desigualdade tecnológica, que está muito atrelada à educação, ao acesso.

Pense no jovem de escolas públicas e no jovem de escolas particulares, que têm laboratórios e recursos que permitem entender a importância da tecnologia para além das redes sociais. Os primeiros, quando têm acesso a recursos tecnológicos, procuram pensar em resolver um problema da própria comunidade. Aí entra o que chamo de dois futuros dentro do mesmo presente.

As escolas públicas não têm, em sua maioria, recursos e espaços que promovam discussão acerca da utilização da tecnologia para soluções que impactem uma comunidade, mas dentro das periferias tem se criado um movimento incrível de troca de conhecimento nessa área.

O jovem que consegue atravessar a rede social e entender conceitos como algoritmos e programação tem tentado ensinar e colocar outros jovens de periferia no mercado. Perifa Code e Tecnogueto são alguns desses exemplos. Jovens como William Oliveira e Rodrigo Ribeiro, que conseguiram aprender e estão voando na área de tecnologia, criaram esses dois projetos que ensinam a jovens da periferia conceitos de programação e ajudam no direcionamento deles dentro do mercado.

Esses jovens estão conseguindo ser líderes de suas famílias utilizando a programação. Logo, essa ferramenta não só impacta a sociedade como muda economicamente a estrutura de uma família. Quando falo de dois futuros é que o que foi apresentado nem sempre é a nossa primeira opção. Esse movimento de jovens, pessoas periféricas e faveladas de criar seus próprios espaços de troca de conhecimento é a construção, a partir de uma outra perspectiva, do futuro do trabalho dentro da era virtual.

A ressignificação do uso da tecnologia no futuro do trabalho parte desse outro lugar, que é facilitar o acesso de pessoas diversas a conceitos como realidade virtual, inteligência artificial e “machine learning”, que hoje, no nosso contexto, são colocadas como parte de um processo de substituição de pessoas por máquinas.

Uma nova perspectiva possibilita a educação sobre como essas ferramentas são construídas, e não apenas o remanejamento de pessoas para serem suporte de dispositivos.

Não podemos esquecer que toda mudança não traz só flores, mas dor também. Então imagine trabalhadores de uma hora para outra perdendo suas funções para uma máquina sem entender como isso aconteceu, pois sem acesso não conseguem entender esse tipo de discussão.

No início deste texto fiz algumas provocações. Agora queria provocar uma provação/solução. Você que está em um espaço que tem infraestrutura e recursos tecnológicos promova encontros com quem está longe ou não entende. Você que é aluno de escola com um laboratório maker, por exemplo, organize uma visita de um colégio público à sua unidade. Nós, jovens periféricos, continuamos ressignificando a palavra tecnologia para ser parte de nossas habilidades em resolver problemas da nossa comunidade.

Realizemos essas trocas no mundo real, pois mesmo com esses avanços ainda andamos no chão.

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