Rolezinhos: a juventude grita ‘nós existimos’

 

 

 

“Quem conseguir colher o que esses jovens querem, fará de São Paulo uma cidade mais democrática”, afirma o educador Ruivo Lopes, em entrevista ao Brasil de Fato.

 

Por Bruno Pavan

“Como posso te identificar na matéria”, perguntei. “Poeta e educador, pode ser?”, me respondeu Ruivo Lopes. Em seu blog ele pede emprestada a música “Apenas um rapaz latino americano”, de Belchior, para se descrever

Apesar da modéstia, Ruivo atua em várias frentes. É participante do “Coletivo Perifatividade”, que promove sarais na periferia de São Paulo, apresenta programas de rádio em emissoras comunitárias e teve poemas publicados em seis livros lançados por coletivos culturais.

Ruivo é desses que acredita. Acredita na cultura da periferia, nos jovens e no debate sobre a cidade. Nessa entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele fala sobre os rolezinhos e como ele pode ajudar no debate da ocupação do espaço público da cidade por seus moradores.

O rolezinho é um fenômeno relativamente novo para São Paulo e pode ser analisado pela ótica da ocupação do espaço na cidade. Como que você analisa esse ponto?

Os rolezinhos estão longe de ser um problema, é uma questão que temos que nos debruçar sobretudo no aspecto da participação dessa juventude. Nesse ponto eles contribuíram muito não só levando esse questionamento para o espaço público, mas também para o espaço, os shoppings centers, que sempre estiveram blindados. Quem vai ao shopping, independente da classe social que está inserida e do que consome, circula num espaço de fato social, está participando da cidade. O que pode ser apontado é que não existe somente essa forma mercadológica de participação, existe a participação política, cultural… O que se tem levado com os rolezinhos é um questionamento da afirmação, sobretudo de uma juventude pobre e negra, que é uma parcela significativa da cidade. Essa ocupação dos shoppings dessa maneira quer passar a mensagem de ‘nós existimos’ mas, como os empresários só conseguem entender essa lógica mercadológica, quem não consome não tem status de cidadão. Eles se mostram surdos e mudos aos desejos dessa juventude. Esse é o embate: dos empresários contra o direito que essa população tem de ocupar esses espaços. A sociedade precisa deste questionamento.

Os rolezinhos acabaram nascendo como resposta a uma proibição dos bailes funks na periferia da cidade. Como você vê essa cultura proibitiva presente na discussão sobre a cidade?

Não vejo a proibição como caminho pra nada. Essa cultura acaba restringindo direitos fundamentais como acesso a cultura, a convivência e, por fim, o direito a cidade propriamente dita. Atinge em cheio uma parcela da população que está à margem. Essa lógica prioriza a privatização do espaço de forma discriminatória, não só de classe, mas também de cor, e só agravam os problemas da sociedade brasileira. Historicamente ocupar o espaço público sempre foi o conflito, o combate no sentido democrático e engana-se quem pensa que a juventude a periferia não consegue se organizar. Essa iniciativa é tão importante quanto os movimentos sociais organizados. Os jovens escancaram essa luta quando ocupam um espaço que sempre determinou quem pôde entrar e o que vão fazer. Eles estão afirmando que nem tudo nessa cidade é mercadoria, ‘nós também queremos espaços que possamos conviver, nos conhecer, beijar’. Eles querem se mostrar, o que vestem, o que pensam. Quando a cidade e os empresários não acolhem esse juventude, é eles que estão errados e precisam ser questionados, não a juventude. Os rolezinhos mostram que há uma alternativa pra cidade, que são locais para convivência, de aceso ao público, é isso que vai tornar São Paulo melhor pra todo mundo

Como aconteceu nas manifestações do ano passado, você acredita que as liminares que proibiram a entrada dos jovens no JK Iguatemi e a violência da PM em Itaquera deram aos rolezinhos um tamanho maior?

A lógica proibicionista tem mostrado que quanto mais se endurece a repressão, mais se acontece aquilo que se está proibindo. Então quando se restringe um valor, como o de ir e vir, que é muito caro a sociedade brasileira, há uma resposta. O que tem acontecido por parte da justiça e da PM é o avesso do que esses jovens estão buscando como alternativa.  Os protestos contra a tarifa de ônibus tem relação porque é um direito de circulação pela cidade o quê aquelas pessoas pediram. Os participantes dos rolezinhos querem o direito de frequentar um espaço de acesso público de São Paulo. É preciso trazer essa juventude para a gestão política da cidade, esse é o recado. E quem conseguir colher isso vai fazer de São Paulo um lugar muito mais democrático.

Os donos de shoppings marcaram uma reunião com o governador Geral Alckmin pedindo que o governo do estado crie “rolezódromos”, que seriam locais para conter esse avanço dos rolezinhos nos shoppings. Como você vê essa postura de empresários e governo?

Completamente equivocada. O governador deveria entender o processo todo com sua equipe e só depois disso se posicionar como governo. Infelizmente essa postura democrática e aberta não condiz com a postura do governo Alckmin. Ele recebe os empresários com uma pauta já pronta que defende o espaço privado e protege sua mercadoria.  Criar ‘rolezódromos’ chega a ser uma ofensa! Não é isso que esses jovens estão pedindo. Espaços assim querem passar a ideia de que existem locais para manifestações. A população deve decidir o que fazer com a cidade e o governante tem que dialogar com isso. Esses espaços vão segregar ainda mais e já mostram uma incompreensão dessa demanda. Não é trazendo o empresário pra mesa que o governador vai chegar a uma solução, é trazendo essa discussão pras ruas, ele não vai resolver isso de seu gabinete. Não vejo isso como a solução correta.

 

 

 

 

Fonte: Brasil de Fato

 

+ sobre o tema

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a...

para lembrar

‘Sem reforma política, tudo continuará como sempre foi’, diz Barroso

Na retomada do julgamento do "mensalão", agora em...

Fim da era dos movimentos sociais brasileiros

Fonte: Folha de São Paulo - por: RUDÁ RICCI...

FHC falta com respeito a Dilma, diz Lula

Para presidente, antecessor está prejulgando a ministra ao fazer...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...

Brizola e os avanços que o Brasil jogou fora

A efeméride das seis décadas do golpe que impôs a ditadura militar ao Brasil, em 1964, atesta o apagamento histórico de vários personagens essenciais...
-+=