‘Sabia do risco de levar até porrada’, diz jovem ofendida por bolsonaristas no ES

Maria Clara Gama protestava sozinha quando foi xingada e teve seu cartaz arrancado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro; grupo aguardava a chegada da comitiva presidencial a Vitória, nesta sexta-feira (11)

Uma jovem de 27 anos se destacou, na manhã desta sexta-feira (11), em meio a militantes trajados de verde e amarelo no Aeroporto de Vitória. Vestindo uma camiseta preta em homenagem ao Sistema Único de Saúde (SUS), Maria Clara Gama, de 27 anos, carregava um cartaz e se manifestava contra o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), que fez sua primeira visita ao Espírito Santo como ocupante do cargo. A intenção era dar “boas-vindas” à sua maneira, mas isso não foi possível depois dos ataques sofridos por ela.

As palavras de Maria Clara, que é mestranda em Direito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), foram poucas. Seu objetivo era comunicar somente com o cartaz, olhar no olho de Bolsonaro e evitar atritos com os apoiadores do presidente. No pedaço de papelão em sua mão, estava escrito “Bem-vindo. 500.000.”, com cruzes abaixo da saudação, em referência ao número de mortos na pandemia da Covid-19, que já é de 482.135 óbitos, segundo o consórcio de veículos de imprensa.

Mas enquanto permanecia imóvel em frente ao aeroporto, segurando o cartaz de pé e sem dizer nada, Maria Clara escutava inúmeros xingamentos dos apoiadores do presidente da República. A maioria estava de frente para ela, atrás de um cordão de isolamento, gesticulando e vociferando palavras como “piranha”, “cachorra” e “vagabunda”.

— Não escrevi ‘genocida’, nem falei as palavras de ordem comuns, nem ‘Fora Bolsonaro’. Só queria registrar que ele estava vindo ali criar aglomeração, para fazer campanha política antecipada aqui no Espírito Santo, não para trabalhar. E queria dar minhas boas-vindas lembrando a situação que a gente está vivendo. Mas não fiz nenhuma crítica explícita — destaca a jovem.

Seu objetivo, o contato com o presidente, não aconteceu. Ainda antes da chegada de Bolsonaro, ela foi alvo de xingamentos e ataques dos apoiadores do presidente. Enquanto permanecia em pé e em silêncio, um homem se aproximou, arrancou e rasgou seu cartaz, como mostra um vídeo que circula nas redes sociais. — Não fiz resistência nenhuma. Quem pegou de volta foi um jornalista, mas já estava rasgado — lamentou, ao agradecer um dos repórteres que estava no local e tentou ajudá-la.

— Não sofri nenhum ferimento, não fui agredida fisicamente. Mas já fui sabendo que isso poderia acontecer. Já sabia que eles iam chegar perto, ficar gritando perto de mim. Não falei nada, fiquei só com o meu cartaz — disse Maria Clara, que até tentou convidar amigos para o protesto, mas não foi correspondida.

— Como as pessoas são mais sensatas que eu, não são tão loucas, disseram que não iriam. Sei que o que eu fiz foi meio loucura, sei que eu tinha muito risco de levar uma porrada na cara. Mas eu queria ser vista pelo presidente, não estava lá para ser vista pelos apoiadores. Queria que o cartaz fosse visto por ele. Já perdi o medo — argumentou a mestranda.

A iniciativa, segundo ela, foi para lutar contra seu “sentimento de impotência”. — Estou respeitando o distanciamento social desde o início da pandemia, fazendo tudo o que posso. Vejo essas coisas acontecendo e parece que não é realidade. E eu não posso fazer nada — disse.

— Sinto que morri também, não estou mais viva. Meu corpo está vivo, mas minha alma morreu junto com as pessoas. Todo mundo fala que um dia isso vai acabar, que vamos voltar à vida normal. Mas a gente nunca vai deixar de ser alguém que viu essa barbárie, essa indiferença com a vida. Nunca vamos voltar ao estado de antes. Vamos viver o resto das nossas vidas marcados por isso — completou Maria Clara.

Ao lamentar o número diário de mortes pela Covid-19, cuja atual média móvel é de 1.764 óbitos por dia, ela condenou o “clima de normalidade” durante o período de pandemia.

— Todo dia é uma bizarrice atrás da outra, o que nos faz acostumar com o esdrúxulo. É uma tendência natural do ser humano, vendo todo dia duas mil pessoas morrendo, as pessoas se acostumam. E ver as pessoas aglomerando sem máscara todo dia e o presidente fazendo comentários contra nossas instituições democráticas todo dia, isso passa a ser normal. A gente passa a ficar anestesiado com algo que antes ia nos deixar chocado — afirmou.

Apesar de não ter conseguido passar sua mensagem diretamente para o presidente, porém, ela entende que quem estava ali assimilou o conteúdo. — Coloquei só o número. Estava ali para receber o presidente do meu país. Queria mandar uma mensagem que realmente fosse vaga. Mas para quem sabe ler, um pingo é uma letra, todo mundo já interpreta. Eles mesmos já sabem o que quer dizer 500 mil. Já tiraram o ‘genocida’ dali, mas eu não disse nada —finalizou Maria Clara Gama.

Agenda de Bolsonaro no Espírito Santo

O presidente da República foi ao Espírito Santo para realizar a entrega de um conjunto habitacional na cidade de São Mateus. Seu desembarque, porém, foi no aeroporto da capital capixaba, o que gerou a aglomeração. Ao desembarcar, Bolsonaro interagiu com apoiadores, dessa vez sem máscara.

Mais cedo, ainda no Palácio da Alvorada, ele disse ter pedido um “parecer” ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para desobrigar o uso de máscaras por quem estiver vacinado contra a Covid ou por quem já tiver contraído a doença, segundo o G1.

Em um vídeo divulgado pelo canal do Youtube Foco do Brasil, o presidente aparece cumprimentando e tirando fotos com parte dos passageiros de um avião comercial , desta vez usando máscara. Um outro vídeo, publicado em rede social e filmado do meio do avião,porém, mostra que parte dos passageiros criticaram o presidente.

Como o GLOBO mostrou, o presidente já participou de pelo menos 84 aglomerações desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia da Covid-19 em 11 de março do ano passado. Em média, o chefe do Executivo brasileiro esteve presente em uma concentração de pessoas a cada 5,3 dias, algumas delas registradas na mesma data.

Foto em destaque: Reprodução/ O Globo

+ sobre o tema

Obama afirma que reanimar a economia é sua tarefa mais urgente

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, considera que...

Tribunais são enviesados contra mulheres e negros e não fazem justiça, diz advogada da OAB

Os Tribunais de Justiça são enviesados e, por isso,...

O tal “panelaço” tem cara, grife, cor e endereço, nobre, diga-se de passagem

O tal "panelaço", importado da Argentina, de que  grande...

Bresser Pereira lamenta: o Brasil enlouqueceu

Fundador do PSDB, economista e ex-ministro dos governos Sarney...

para lembrar

Promotor se desculpa após chamar filho morto pelo pai de ‘vagabundo’

Post polêmico feito por professor de Sorocaba no Facebook...

Violência e desumanidade marcam gestão Bolsonaro e impactam voto feminino

A avaliação negativa do governo de Jair Bolsonaro (PL)...

Estudo relata violência contra jornalistas e comunicadores na Amazônia

Alertar a sociedade sobre a relação de crimes contra o meio ambiente e a violência contra jornalistas na Amazônia é o objetivo do estudo Fronteiras da Informação...

Caso Marielle: veja quem já foi preso e os movimentos da investigação

Uma operação conjunta da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Polícia Federal prendeu neste domingo (24) três suspeitos de...

PF prende Domingos Brazão e Chiquinho Brazão por mandar matar Marielle; delegado Rivaldo Barbosa também é preso

Os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão foram presos neste domingo (24) apontados como mandantes do atentado contra Marielle Franco, em março de 2018, no qual também morreu o motorista Anderson...
-+=