Texto de Ana Rita Dutra.
Realizamos este mês uma conversa com Maria Luisa! Maria Luisa de Oliveira, é psicóloga, mestre em Saude Coletiva e Especialista em Ética, Educação em Direitos Humanos. Militante movimento de mulheres negras. Atualmente atua na Sempre Mulher Instituto de Pesquisa e Intervenção sobre Relações Raciais, filiada da Rede Feminista de Saúde, e representa esta rede na Plataforma DHESCA Brasil. No bate papo conversamos muito sobre a Saude das Mulheres Negras.
O que existe em termos de Políticas públicas de saúde para população negra, temos avanços? Retrocessos?
Interessante falar sobre isso nessa época. Dia 27 de outubro foi o Dia de Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra, uma agenda articulada pela Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra, criada em 2007 por ativistas de diversos movimentos em defesa da saúde de nossa população e do Sistema Único de Saúde – SUS. As ações dessa agenda começam agora e vão até 20 de Novembro, data já bem conhecida que assinala a imortalidade do herói negro, Zumbi dos Palmares.
Sem deixar de reconhecer a dura realidade que ainda vivemos com a saúde da população negra em nosso país, acredito que temos importantes avanços. A implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra é um deles.
Essa política foi lançada pelo Ministério da Saúde e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde no ano de 2006 e certamente representou muitas coisas: o reconhecimento pelo estado brasileiro da existência do racismo em suas diferentes manifestações, especialmente do racismo institucional que impacta nossa saúde e determina, muitas vezes, a vida ou a morte.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra define os princípios, a marca, os objetivos, as diretrizes, as estratégias e as responsabilidades de gestão, voltados para a melhoria das condições de saúde desse segmento da população. Inclui ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de doenças, bem como de gestão participativa, participação popular e controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para trabalhadores de saúde, visando à promoção da eqüidade em saúde da população negra.
A publicação da portaria que regulamentou a política só aconteceu no ano de 2009 e apenas agora, em 2013, deverá ser anunciada, pelo ministro Alexandre Padilha, durante a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a criação de uma instância de gestão da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no Ministério da Saúde, pois nem é preciso dizer o quanto ainda carecemos da concretização dessa política.
Os planos nacionais de políticas para mulheres que também, por tensionamento das mulheres negras organizadas, vem incluindo especificidades das mulheres negras e apontando a necessidade de ações para o enfrentamento do racismo são exemplos desses avanços.
Contudo, muito ainda falta para que se identifique no dia a dia da população negra os efeitos dessas políticas, indicando o quanto precisam de efetivação, inclusive por conta do racismo que impede a sua articulação e implementação na máquina estatal e nos diferentes governos.
Quais os principais problemas enfrentados pelas mulheres negras atualmente no atendimento de saúde?
Eu diria que o principal problema continua sendo a operação do racismo institicional que determina que mulheres negras recebam tratamento desigual no momento do atendimento de saúde. Explico: os pré-conceitos, as ideias pré-concebidas e disseminadas na sociedade sobre as mulheres negras estão introjetadas de tal forma que profissionais da assitência em saúde passam a enxergar a população negra através desses filtros, fazendo com que o tratamento não seja o mesmo para todas as mulheres. Exemplos: desde muito tempo as ativistas negras da saúde vem denunciando que mulheres negras recebem menos analgesia na hora do parto em função da crença de que somos mais resistentes à dor ou que devemos mesmo passar por sofrimento pois fazemos filhos indiscriminadamente, sem poder criar, somos fábricas de marginaisinhos, etc, etc, etc. Sabemos também que mulheres negras, mesmo indo à consulta nas unidades de saúde, não passam pelo exame clínico das mamas, o que é vital para a detecção precoce do câncer de mama. Outro lado do problema é que as doenças prevalentes na população negra como um todo e nas mulheres negras em particular não são suficientemente estudas e compreendidas, fazendo com que a asisstência seja prejudicada. Hoje nem tanto, mas algumas décadas atrás mulheres negras foram esterelizadas por conta da miomatose uterina, aliada à esterelização como forma de controle da natalidade e extermínio de nossa população.
Gostaria de tocar num ponto crucial do campo da saúde das mulheres que é a mortalidade materna, na imensa maioria evitável (cerca de 90% segundo a OMS). Organizações como a Organização Mundial da Saúde – OMS e a Organização Pan Americana de Saúde – OPAS dizem que se a mortalidade materna de uma região é muito alta, é porque ela é subdesenvolvida e evidencia que não houve assistência digna às mulheres no pré-natal e no parto. Hoje o Brasil não se considera mais subdesenvolvido, porém, determinadas regiões do país apresentam taxas de mortalidade materna equivalentes a países muito pobres do continente africano e da América Latina. E dentro do país mesmo os estudos demonstram que mortalidade materna é maior entre as mulheres negras e indígenas do que entre mulheres brancas. Temos como exemplo emblemático o ocorrido em 2002, que ficou conhecido como Caso Alyne. Esta morte foi denunciada e o Estado Brasileiro, em 2011, foi condenado pelo Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Comitê CEDAW, das Nações Unidas a adotar medidas para prevenir novas mortes maternas e melhorar a qualidade da assistência e também pagar indenização à mãe e à filha de Alyne da Silva Pimentel Teixeira, jovem negra, residente em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, RJ. Nitidamente um caso de violação de Direitos Humanos das mulheres e que o Estado brasileiro vem se omitindo de suas responsabilidades. Os relatos sobre o caso dizem que desde o primeiro mal-estar sentido pela jovem e a sua morte se passaram 05 dias em que ela foi mandada de volta pra casa, transferida de hospital, ficou esperando na emergência por falta de leito e tudo o mais que usuárias do sistema de saúde vem passando e já caíram no campo da banalização de tanto acontecer.
E a questão do abortamento?
O problema do aborto inseguro está diretamente relacionado à mortalidade materna, que eu falava antes. Podemos raciocinar o seguinte: se as mulheres negras já passam por tratamento desigual no atendimento de saúde, no momento em que precisam de atendimento porque foram submetidas a aborto inseguro, a situação se agrava, pois serão as últimas a serem atendidas agravando o risco de morte. Vale referir que o abortamento inseguro não é a maior causa de morte materna entre as mulheres negras, mas a ocorrência de morte entre as que abortam é maior entre as negras. Não é difícil entender. O aborto realizado em adequadas condições é um procedimento muito seguro, como reconhecem médicos e especialistas em saúde. No Brasil, e em países onde a prática ainda permanece ilegal, quem tem condições de realiza-lo nessas boas condições certamente não são as mulheres negras, não é, que não podem pagar caro por ele e ficam submetidas a “profissionais” sem a devida habilidade e as condições inadequadas. Assim, a legalização da interrupção voluntária da gestação também traria impacto positivo na saúde reprodutiva de mulheres negras.
Algumas considerações finais?
Penso que é importante alguma consideração sobre o fenômeno da violência contra as mulheres. Durante muito tempo se considerou que o fenômeno atingia a todas indiscriminadamente e hoje já se reconhece as particularidades que afetam as mulheres negras e colaboram para maior vulnerabilidade ao fenômeno. Desde o ano de 2011, junto com a epidemiologista Fernanda Bairros, vimos nos debruçando sobre o que denominamos violência fatal, analisando dados sobre homicídios e suicídios de mulheres. A pesquisa vem revelando que o impacto do racismo também pode ser verificado na produção de violência contra as mulheres negras relacionada a causas externas como homicídios e suicídios. Nosso estudo descreve dados epidemiológicos do DATASUS sobre a situação da violência fatal das mulheres segundo raça/cor em todas as unidades da federação brasileira em uma série histórica de 6 anos -2003-2005/2006-2008. Evidenciamos maiores coeficientes de violência fatal comparando-se mulheres negras com mulheres brancas: 74,1%, no primeiro triênio e 77,8% no segundo triênio da série para mulheres negras. A comparação entre os coeficientes de violência entre mulheres negras e mulheres brancas revelou uma vulnerabilidade maior à morte por causas externas entre as mulheres negras. O que indiscutivelmente aponta para a necessidade de políticas públicas que enfrentem o fenômeno e garantam a incorporação efetiva da dimensão de raça com o reconhecimento de que também, assim como as dimensões de gênero, é estruturante de todas as relações sociais.
Ana Rita Dutra
Educadora, especialista em Educação em Direitos Humanos. Blogueira, Childfree e feminista! Defensora dos direitos sexuais e reprodutivos, da liberdade religiosa, dos direitos das mulheres e das juventudes! Lutadora e sonhadora! Acredito sim num mundo melhor agora!!!
Fonte: Blogueiras Feministas