Saudades do Estado Laico

 
 

“Quando Pedro fala de João, conhecemos melhor Pedro que João”

Os ecos de 2010 ainda se espalham pelo país, a farsa religiosa protagonizada por José Serra, com sua imensa dose de preconceito e ódio.” (in http://goo.gl/aMy6v8)

É interessante que ouço e leio comentários assim com alguma frequência. De fato, a campanha de 2010 foi algo que desestimularia qualquer um que se interessa por preservar o secularismo. Os santinhos que Serra distribuiu, o uso recorrente do tema aborto em campanha, a presença ostensiva em missas, etc, foram emblemáticos do que não se deve fazer em política.

Mas lembrar disso acaba sendo, inadvertidamente, uma forma de transmissão da rejeição a um político a outros que podem não ter tido participação no processo. E como será em 2014? Quem já não ouviu falar em “Geraldo Alckmin é Opus Dei” ou “Marina Silva é crente”? Não bastasse o preconceito explícito em se divulgar convicções religiosas dos outros na forma de ‘hoax’ contra antagonistas políticos, é sempre omitido que o primeiro já desmentiu várias vezes o citado mito (http://goo.gl/PS37Oe) e a segunda já esclareceu não ser criacionista (http://goo.gl/q7WBYN .) E, de qualquer modo, não importa a fé de um político, mas o que ele realmente faz no dia-a-dia político a favor ou contra do Estado laico. Por exemplo: que legislação piorou no Estado de São Paulo nos últimos anos?

Mas política é um ‘vale tudo’ e até mesmo acontecimentos na História são omitidos… O primeiro abandono do PLC 122/06 no Senado se deu em novembro/2009 (a semelhança com o abandono recente, em 17/12/2013, a um ano de eleições, não é coincidência) e isso foi objeto de um artigo meu, que infelizmente se perdeu em uma mudança de domínio de blog, mas que para sua existência, por sorte, restou uma referência datada (http://goo.gl/Cs6Ozq)

Até então, março ou abril de 2010, Serra era o que seria chamado de simpatizante. Eu já não pretendia votar nele, mas reconhecia o fato (http://goo.gl/VVA85j)

Mas, no fim, até a definição final de coligações, junho/2010, PSC, PR, PRB, os principais partidos formadores da bancada fundamentalista, decidiram pela coligação com o governo federal. Um segundo sinal, portanto, de para onde se dirigiriam os discursos. Não se sabe o que pode ter sido negociado, mas pode-se imaginar a respeito. O que deve ter levado a campanha de Serra ao desespero mostrado em situações como esta (http://goo.gl/IcfD7G)

Sendo assim, para o bem da História, cabe reconhecer que a campanha de Serra abusou de modo indevido do tema religião, mas, por outro lado, cabe também dizer que não é dele o ineditismo, muito ao contrário.

Bom dia, Putin!

Muitos já ouviram falar de um método simples para detectar riscos de ventilação em minas: “Canarinhos eram usados para detecção de gás nas minas de carvão nos estágios iniciais da mineração. Este pássaro sensível podia ser levado para frente de trabalho e se ele ficava agitado, os trabalhadores imediatamente deixavam a mina.” (http://goo.gl/J2bxi)

É mais ou menos o que pode acontecer com LGBTs nas mais diversas sociedades. Como somos poucos e historicamente discriminados por todos os lados, sem aliados, surge uma sensibilidade em relação aos sinais passados pelos mais variados discursos.

Não é raro que políticos nos façam promessas para obter simpatia e votos e depois digam com a maior sem cerimônia: “você precisa entender que a maioria irá decidir sobre seus direitos”. Também não é surpreendente, pois para Povos Indígenas, Direitos Reprodutivos e algumas minorias religiosas acontece o mesmo. Em qualquer lugar e em qualquer tempo da História.

Mas é muito fácil manipular a opinião pública em torno de direitos de LGBTs. Afinal, que outro grupo enfrentou polícias e estados, nos anos 1960, tanto no Ocidente capitalista como no Socialismo Real? Que outro grupo enfrenta discriminação dentro de suas próprias famílias? Quantas são as situações de duplo preconceito? (ser mulher e lésbica, negro e gay, pobre e transgênero, por exemplo.)

Enfim, as conjunturas históricas e o uso recorrente de religião para manipular massas fez com que alguns dissessem que “os LGBTs são os comunistas do Século XXI” (http://goo.gl/vqBtI6.) Eu acho até pior, posto que parte expressiva dos que se consideram ‘de esquerda’ são homofóbicos, por convicção ou interesse político.

Se é comum em redes sociais haver pessoas ‘de direita’ se referindo a ‘marxismo cultural’, ‘gayzismo’, etc, é igualmente ou mais frequente quem intitule LGBTs de ‘corja reaça gay’, ‘fascistas’ ou ‘quinta coluna pinkmoney’. Até associações de ‘direitos civis LGBT’ a ‘sionismo internacional’ são feitas. Um show de horrores, portanto.

Notícias são sempre notadas, mas omissões interessadas nem sempre. Se para a maioria das pessoas não passa despercebido o noticiário a respeito de Putin e sua lei anti-gay (e também as investidas recentes contra ecologistas, imigrantes de ex-repúblicas soviéticas, minorias islâmicas, jornalistas e legislações em torno do aborto), praticamente não se nota o seguinte fenômeno: a imprensa autodenominada progressista, sempre tão disposta a denunciar quaisquer violações de direitos civis e humanos, é extremamente complacente quando os direitos violados são LGBTs. Isso é particularmente visível em países onde partidos de centro-esquerda precisaram se aliar a pensamento religioso para se eleger (http://goo.gl/9HzDcT.)

Por último, mas não menos importante, note-se como Putin escolheu seu terceiro mandato (e a grande popularidade auferida com a recuperação econômica, baseada em quintuplicação do valor de gás e petróleo) para iniciar sua verdadeira guinada a um populismo nacionalista ‘neocon’.

“Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”

Em uma espécie de maquiavelismo ao contrário, que lembra muito a parábola do sapo em água fervente, a crença em ‘realpolitik’ (a estratégia de se aliar a pensamentos insólitos para obter acesso a parcelas de poder) permeia inclusive militantes LGBT (cada vez menos, felizmente, posto que conscientização é algo crescente e para apenas uma direção: a percepção da realidade.)

Quando as coisas não acontecem em apenas um momento, fica difícil conscientizar as pessoas da gravidade do que ocorre. Desculpas são dadas aqui e ali no tempo, mas quando se enxerga o processo em uma perspectiva de médio prazo, percebe-se que não há perspectiva de inflexão, ao contrário, o mais provável é esperar-se pelo aprofundamento do processo. É muito como no famoso poema de Eduardo da Costa, ‘No Caminho com Maiakovski’.

Maio/2011 > Cancelamento do Escola Sem Homofobia 
Fevereiro/2012 > Cancelamento de campanha anti-AIDS com a presença de casais LGBT
Março/2013 > Recolhimento das cartilhas de educação sexual do Min. da Saúde
Abril/2013 > Entrega da CDHM para o PSC
Maio/2013 > Revogação da regulamentação da lei Antihomofobia do Distrito Federal, suspensão da vigência da lei ainda não regulamentada no RJ
Setembro/2013 > Fechamento do Autorama (SP-Capital)

Setembro/2013 > Brasil co-patrocina texto homofóbico para Sochi http://goo.gl/dkQIlU
Outubro/2013 > Engavetamento do PL para pensões a companheiros LGBT do serviço público
Dezembro/2013 > Abandono da inclusão de orientação sexual na lei 7716/89 (2º engavetamento do PLC 122/06)
Dezembro/2013 > Censura ao termo “identidade de gênero” na revisão do Código Penal
Dezembro/2013 > Abandono, no RS, da criação do Conselho Estadual de Promoção dos Direitos da População LGBT

Se a perda é contínua e crescente em termos de legislação, pauta de Congresso e medidas administrativas, não escapa aos observadores atentos a total ausência do uso de expressões como ‘gay’, ‘LGBT’ em discursos oficiais e campanhas. Quando muito recorre-se ao jargão ‘negros, mulheres, índios e “minorias”’, quase uma invisibilização oficial da condição homossexual, posto que esta é a que atrapalha o discurso oficial do ‘ame-o ou deixe-o’.

Enquanto não é raro que alguns políticos, cientistas, jornalistas e artistas digam claramente, como Obama, Cameron, Alckmin ou Bachelet, “eu sou favorável ao casamento igualitário”, ou, como Vargas LLosa e Freixo “é necessário combater a homofobia”; outros políticos, timidamente e quando muito, se refugiam no discurso “todos devem ter direitos iguais”. Isso também é invisibilização.

Alguma novidade? Nenhuma, há tempos se fala sobre isso (http://goo.gl/FqsxX4;http://goo.gl/yqM4gQ)

“Pimenta no direito dos outros é refresco”

O que adianta para LGBTs saberem que não têm aliados ou, se quando os têm, são tímidos? (http://goo.gl/tTsZ1D) Não muito além de traçar estratégias de autodefesa nas vidas pessoais, posto que a maioria heteronormativa, de qualquer ideologia, é naturalmente predisposta a se fazer de cega ou surda até que algum direito da mesma seja enfim atingido.

Isso demorará a acontecer, no entanto. A estratégia política de conservadores morais é escolher sempre um alvo fácil, já discriminado ou menosprezado pela maioria. É o que grupos como o Tea Party fazem desde os anos 1920 nos EUA : vai-se de alcoólatras a islâmicos passando-se historicamente por comunistas, sindicalistas, militantes por direitos de minorias raciais, ecologistas, feministas, usuários de maconha, etc, etc.  

Já é visível, no Brasil, como os focos andam dirigidos a ‘menores de idade delinquentes’, basta observar como isso apareceu no programa político de vários partidos em 2013.

Não existe coerência teológica nem racionalidade nenhuma nisso tudo. É mera estratégia neocon de resistência política e o importante é fazer sempre algum discurso de demonização e pactuar com forças políticas importantes o apoio recíproco.

Note-se que a simples existência de bancadas fundamentalistas em um país não é o suficiente para nada. A bancada brasileira atual, por exemplo, é do mesmo tamanho da eleita em 2002. E até 2009 não houve nenhum retrocesso conhecido no secularismo, ao contrário, os mais variados programas eram implantados administrativamente (como exemplo a concessão de pensões pelo INSS para viúvos LGBTs.)

Se 13% de deputados conseguem barrar projetos ou estimular retrocessos é tão somente porque agora há uma maioria, ainda que se diga laica, conivente e interessada nisso (http://goo.gl/nrnHUS.)

Se o desastre da evolução recente de programas para direitos LGBTs não é o suficiente para conscientizar as pessoas de como são processos políticos, pode-se listar outras involuções no Brasil recente.

– abandono da CDHM e aceitação tácita de presença majoritariamente fundamentalista ou conservadora moral em sua composição (muita atenção será dada se houver a repetição desse equívoco em março/2014);

– tolerância com as iniciativas locais e ilegais de reimposição de educação religiosa (ainda que prevista pela Constituição, a mesma não deve ser discriminatória nem favorecedora de uma doutrina);

– a renitente recusa a se incorporar educação sexual e ensino sobre contracepção em escolas públicas;

– a tendência a considerar ruralismo como simétrico a movimentos como MST ou de Povos Indígenas;

– a manutenção de um discurso “guerra às drogas” que já não é mais usado nem nos EUA, México ou Colômbia;

– trâmite estimulado de iniciativas congressuais como PEC do Plebiscito, PEC da Teocracia;

– abandono de campanhas de saúde dirigidas a grupos como os profissionais do sexo;

– eliminação de temas na atualização do Código Penal, chamando o óbvio necessário de ‘polêmico’;

– desconsideração da existência do conteúdo do PNDH-3

Parece haver uma crença em que a maioria da população é tão assim conservadora. Pré-candidatos a governador são escolhidos pela sua facilidade em reproduzir discursos moralistas, disposição a participar de eventos religiosos.

Mas o conservadorismo moral tem público certo, já muito disputado e distribuído pelos mais variados partidos de centro-direita. Se essa estratégia recente de aprofundamento no conservadorismo será bem sucedida eleitoralmente só saberemos em 05 de outubro de 2014.

Eu acredito, no entanto, que ainda é possível superar o uso do obscurantismo na política. Se você também, leia também o post: http://jornalggn.com.br/blog/gunter-zibell-sp/como-superar-o-uso-do-obscurantismo-na-politica

 

 

 

Fonte :GGN 

+ sobre o tema

para lembrar

Curso de Especialização em Educação e Relações Raciais

Curso de Especialização em Educação e Relações Raciais UNIVERSIDADE FEDERAL...

Os negros não se deixaram escravizar

Os negros não se deixaram escravizar Temas para as aulas...

Precarização na rede paulista afasta interessados na carreira de professor

Escolas da rede estadual ficaram sem professores na volta...

Pedagogia a distância tem mais candidatos que curso da USP

Lançado há um ano sob críticas, o curso de...
spot_imgspot_img

Geledés participa do I Colóquio Iberoamericano sobre política e gestão educacional

O Colóquio constou da programação do XXXI Simpósio Brasileiro da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), realizado na primeira semana de...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=