Reconhecer os próprios privilégios é o primeiro passo para entender sistemas de opressão e lutar contra eles.
por Lara Vascouto no Nó de Oito
Das muitas coisas que me reviram o estômago de desgosto e frustração todos os dias, ter homens constantemente questionando e ridicularizando as minhas experiências como mulher em um mundo machista está bem próximo do topo da lista.
Hum, me fala mais sobre como você, homem que nunca precisou se preocupar com a possibilidade de assédio e estupro ao sair na rua, não acredita que o problema de violência sexual contra mulheres é tão grave assim.
“Vitimista” costuma ser o xingamento preferido desses homens, que sem conhecimento de causa classificam os obstáculos e violências de que somos vítimas como invenções ou exageros. É uma forma de tentar nos calar, mas também de se proteger. Afinal, ao ridicularizar o papel da vítima, eles se veem livres da responsabilidade de assumir que usufruem de uma série de privilégios que lhes são garantidos simplesmente por serem homens.
O reconhecimento pleno e completo desses privilégios lhes mete muito medo. Uma porque ao fazê-lo, o indivíduo inevitavelmente precisa se reconhecer também no papel de opressor/agressor. E outra porque a partir desse reconhecimento não há mais justificativas para não iniciar um processo de mudanças profundas em termos de comportamentos, atitudes e visões de mundo (a não ser que você seja um babaca, é claro). Porque esses dois desdobramentos podem ser profundamente dolorosos, muitos homens se acovardam e optam por negar seus privilégios, utilizando-se deles, ironicamente, para descreditar as palavras, pensamentos, testemunhos e experiências de mulheres.
É um mundo muito doido.
Algo muito similar acontece entre brancos em relação ao racismo. Assim como no caso do machismo, ao negar que existe racismo essas pessoas se veem livres da responsabilidade de lutar contra ele e de reconhecer que muitos dos privilégios de que usufruem por serem brancas lhes são dados em detrimento de pessoas negras. Elas não querem se reconhecer como opressoras nesse sistema, por isso descreditam as palavras, pensamentos, testemunhos e experiências de pessoas negras (ironicamente, utilizando-se de privilégio branco, assim como os machistas utilizam o seu privilégio patriarcal contra as mulheres).
Os exemplos de brancos que negam que têm privilégios são vários. Normalmente, eles o fazem quando a discussão gira em torna de políticas sociais que beneficiam pessoas negras, como se elas estivessem recebendo coisas de mão beijada, enquanto os brancos, pobrezinhos, precisam ralar para conquistá-las. Infelizmente, eles não conseguem enxergar como os brancos se beneficiam de várias formas pelo simples fato de serem brancos.
[quote font=”times” font_size=”20″ font_style=”italic” bgcolor=”#dfb232″ color=”#” bcolor=”#” arrow=”yes”]“Affe! Nasci pobre, fodido, já passei fome, ralei três empregos ao mesmo tempo pra conseguir estudar e sou branco! Nunca tive privilégio nenhum!” – alguém aí está dizendo.[/quote]
Pois é, o que é urgente que as pessoas entendam é que o racismo garante a opressão, a pobreza e a privação de direitos dos negros. Ele não tem pretensão nenhuma de melhorar a vida de brancos. Como muito bem disse o jornalista Touré: “Só porque alguém não conseguiu capitalizar com sua vantagem, não significa que a pessoa não a tenha. Se você perde um jogo em casa que já começou com dois pontos de vantagem para o seu time, isso não apaga o fato de que você começou na frente”.Um país pode ter brancos e negros igualmente miseráveis, mas o racismo é um agravante que vai fazer com que seja muito mais difícil para os negros deixarem de ser miseráveis. Não é a toa que a maioria dos pobres no Brasil são negros.
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Mas que privilégios são esses de que os brancos usufruem, você pergunta? Ora, eu fiz uma listinha! Mas lembre-se: o objetivo aqui não é ficar se sentindo culpado, mas sim se tornar consciente e, consequentemente, um agente de mudança. Afinal, não fomos nós que começamos essa história toda, mas a culpa é, sim, toda nossa, se nos recusamos a abrir os olhos para o fato de que ela ainda não acabou.
25 Privilégios de que Brancos Usufruem Simplesmente por Serem Brancos
1 – Eu não preciso pensar no que significa para mim e para a minha família a estatística de que 77% das vítimas de assassinato no Brasil são negros.
2 – Não preciso ter medo que meu filho corra o risco de ser uma das 28 crianças e adolescentes que são assassinadas todos os dias por policiais no Brasil.
111 – CENTO E ONZE – tiros de fuzil e pistola, disparados por policiais militares, contra 5 – CINCO – jovens desarmados, felizes, comemorando o primeiro salário de um deles em uma agradável noite na cidade maravilhosa. O genocídio de jovens negros no Brasil é real.
3 – Tenho certeza de que ganho o mesmo tanto do que a minha colega branca ganha e não a metade.
4 – Não preciso me preocupar se o meu cabelo ou a cor da minha pele vão me impedir de conseguir um emprego.
5 – Não preciso pensar no que significa para mim a informação de que o assassinato de mulheres negras aumentou 54% na última década. Ou de que mulheres negras tem três vezes mais chances de serem estupradas do que mulheres brancas.
6 – Se eu me mudar para um bairro rico, não preciso me preocupar se os vizinhos vão ser desagradáveis comigo e com a minha família.
7 – Se o meu filho estudar em uma escola particular, não preciso me preocupar se ele vai ser discriminado por ser o único branco da turma.
8 – Ao ligar a TV, ler uma revista ou assistir um filme, as pessoas que vejo retratadas têm a mesma cor de pele que eu.
9 – A História que eu aprendi na escola é a História de um povo tem a mesma cor de pele que eu.
10 – Todos os heróis, inventores, estudiosos, cientistas, guerreiros que aprendi na escola têm a mesma cor de pele que eu.
11 – Todas essas histórias com protagonistas e heróis brancos fortalecem a minha autoestima e o meu senso de importância na sociedade.
12 – Posso emitir minha opinião sobre diversos assuntos sem me preocupar com a possibilidade de ser vista como uma representante de toda a minha raça.
13 – Se eu conseguir um emprego muito bom, não preciso temer que as pessoas pensem que eu consegui a vaga não por competência, mas para cumprir cotas.
14 – Eu posso falar que fiz faculdade com a certeza de que as pessoas não vão achar que roubei a vaga de alguém mais competente.
15 – Eu posso andar na rua à noite sem fazer com que as pessoas apertem o passo ao me avistarem.
16 – Eu não me preocupo quando passo por um bloqueio policial, pois sei que não tenho o perfil que os policiais automaticamente consideram suspeito.
17 – Eu posso resolver me tornar médica sem me preocupar se os pacientes vão pedir por outro médico quando me encontrarem.
18 – Posso ser mal-educada, ignorante, ir mal na escola, deixar a desejar na higiene pessoal, sem que essas características sejam associadas à cor da minha pele e automaticamente atribuídas a todas as outras pessoas de pele branca.
19 – Se eu trançar o cabelo e fizer tatuagens mil, as pessoas podem me considerar estilosa, criativa, artística, meio doidinha, mas dificilmente uma “marginal”, “cabelo ruim”, “baderneira” ou “parasita social”.
20 – Nunca passei ou me preocupei em passar pelo constrangimento de ter namorados com medo ou vergonha de me apresentar para suas famílias.
21 – Não preciso ter medo de passar pelo constrangimento de ser confundida com a babá de meus próprios filhos.
22 – Se eu fosse uma criança órfã, teria mais chances de ser adotada do que uma criança negra.
23 – Se eu entrar sozinha em uma loja, dificilmente vou ser monitorada ou acusada de tentar roubar alguma coisa.
24 – Posso dirigir um carro muito bom e ter a certeza de que as pessoas não vão achar que é roubado ou que eu fiz alguma coisa ilícita para comprá-lo.
25 – Posso me dar ao luxo de me afastar da discussão sobre o racismo quando ela fica desconfortável demais.
Arte do topo: Ribs