O mais antigo ogan do Brasil

Aos 99 anos, morando há 50 no Rio de Janeiro, Luiz Angelo da Silva, o Ogan Bangbala, foi diretor do Afoxé Filhos de Gandhy

Por Jefferson Barbosa, do Bravo!

Fotos: Leonardo Wen/Folhapress

Os sons emitidos pelo toque do atabaque buscam conectar as batidas do coração com a Terra. Ogan Bangbala é uma entidade, um baiano de 99 anos e que há 50 vive em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. No Candomblé, ogan é quem toca os instrumentos musicais atabaque e agogô. Bangbala é o mais antigo ogan vivo no Brasil e em atividade. Ele não entra em transe, mas provoca. É através de seu toque que os orixás incorporados executam suas danças.

Para se tornar ogan a pessoa deve ser escolhida pelo orixá, a partir de um membro que o incorpora ou o quando revelado no jogo de búzios. Normalmente, é uma integrante já muito ativo na comunidade de terreiro, consagrado um mestre.

Diretor do Afoxé Filhos de Gandhy quando jovem, Luiz Angelo da Silva, o Ogan Bangbala, estudou até o ensino primário, teve dezesseis irmãos, mas apenas três passaram dos primeiros anos de vida. “Sou o último membro da minha geração na família, todos os outros já morreram”, afirma.

“A mãe de santo mais próxima de mim foi Mãe Beata de Yemanjá, minha melhor amiga, faleceu há um ano, aos 86 anos. Eu fui o responsável pelo rito fúnebre dela, o axexê.” O mesmo Luiz, há 61 anos, no terreiro de Olga do Alaketo, estava na iniciação de Mãe Beata.“No Candomblé, a mulher tem muito mais protagonismo que os homens”. Maria Moreira, 55, sua esposa há 15 anos, é ekedi, equivalente feminino dos ogans, o acompanha em tudo, inclusive no exercício da memória.

O homem

Bangabala lida frequentemente com a morte por conta da sua função de griot — mestre em iorubá. Ele é responsável por conduzir quase toda semana celebrações fúnebres que podem durar até sete dias. “Nem sempre essa regra é respeitada! Quem me passou os ensinamentos sobre os axexês foi Cipriano Manuel do Bonfim, da Casa Branca do Engenho Velho, o mais antigo templo de Candomblé no Brasil, fundado em 1735”. Por ser o mais antigo ogan vivo do Brasil, várias casas em todo o país o convidam para realizar os axexês todos os meses.

Foto: Leonardo Wen/Folhapress

“Alguns novos ogans acrescentam coisas que não existem no axexê, os que aprenderam comigo e com Cipriano sabem que o axexê não precisa ser cheio de luxo, cheio de enfeites, pode ser simples”, ele comenta. Ele ainda reforça a necessidade de valorizar a brasilidade do Candomblé: “Eu sou candomblecista brasileiro, não africano. Só que tem muita gente aí que tá querendo fazer do próprio jeito sem respeitar a tradição”.

“Fui iniciado no Candomblé de Lili D’Oxum, em 1937, em Salvador”, explica Bangbala sobre o início de sua trajetória. No peito, ele carrega um crucifixo, no antebraço direito uma tatuagem de Xangô, seu orixá. “Na religião tudo tem um sentido sagrado: as cores, a forma como as pessoas se portam, o alimento, as roupas.”

Luiz fabrica berimbaus, atabaques e xequerês, além de ministrar oficinas de canto, toques e axexês para jovens ogans, transmitindo seu conhecimento ancestral: “ogan deve aprender tudo: cantar, dançar, tocar”.

“O universo do Candomblé ainda é pouco conhecido, tem coisas que só quem é do Candomblé pode saber, ainda existe um forte desrespeito a nossa religião por parte de setores intolerantes e reacionários, inclusive de outras religiões”, no Candomblé os corpos também são políticos.

Sobre o tempo, ele diz dançar conforme a música: “sem extravagâncias, não fumo, só bebo de vez em quando.” Os quase cem anos não o impedem de ter uma vida normal, mas a memória é fragmentada, um vaivém contínuo. A intelectualidade orgânica faz Bangbala carregar saberes que não se encontra nos livros, saberes que só a vivência e a oralidade são capazes de transmitir a quem venha seguir o caminho de ogan.

Foto: Leonardo Wen/Folhapress

Pouco antes de nossa conversa terminar, ele busca um berimbau de fabricação própria para demonstrar a habilidade, começa a tocar o Toque de São Bento de Angola — capoeira. “Assim como em outras religiões, o Candomblé não tem só um seguimento, são quatros: Jeje, Angola, Ketu e Ijexá”, explica ele.

No dia 5 de Novembro de 2014, Ogan Bangbala recebeu das mãos do então vice-presidente Michel Temer a medalha de Comendador — honraria da Ordem do Mérito Cultural. Para o historiador Luiz Antônio Simas, “Bangbala condensa sabedoria de ogan completo, aqueles capazes de dominar todos os fundamentos, o conhecimento de comandar os ritos de axexê, a grande festa de recondução dos mortos ao todo primordial”.

Durante as cerimônias Bangbala ocupa um espaço que é composto por três atabaques e o agogô. Cada verso que ele canta é logo repetido por todos, como se fosse uma ciranda ou uma roda de samba. Lúcido, ele segue sua caminhada ancestral.

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