Há esperança em um futuro com mulheres negras eleitas

Enviado por / FonteECOA, por Anielle Franco

A população brasileira se mobilizou ontem (15) para exercer sua cidadania, nessa que por si só já é uma eleição histórica para o país. Pandemia global, aumento das desigualdades e resistência cotidiana para reforçar a importância da participação política de mulheres na definição dos caminhos possíveis de transformação do Brasil. Durante os últimos meses aproveitei este espaço para apresentar as mais diversas ferramentas e ações que construímos dentro do Instituto Marielle Franco para visibilizar, fortalecer e impulsionar candidaturas de mulheres negras nestas eleições, hoje, pretendo exercitar meu imaginário sobre este futuro liderado por estes corpos que – assim como a minha irmã – movimentam as estruturas cotidianas de poder.

Primeiro, é importante dizer que o trabalho para fortalecer mulheres negras começa muito antes do período eleitoral. É comum utilizarmos estes períodos de 2 a 2 anos para debatermos sobre as questões que rondam o espectro político, inclusive as noções de mais diversidade na política, medidas de fomento a candidaturas e, também, de combate às violências que as cercam. Hoje entendemos a eleição como ponte ou passarela, ou seja, a dedicação de acompanhar os passos dessas mulheres geralmente se foca e finda neste período, mas, é relevante ressaltar que as eleições geralmente são o portal, mas o caminho para a mudança se constrói dentro das muitas mandatas que hoje surgem como uma esperança para o mundo, e especialmente para nós, mulheres negras.

Desta forma, estar do lado de mulheres negras nestas eleições foi essencial, mas hoje o horizonte que se coloca em nossa frente é repleto de afro-otimismos e esperanças, de um imaginário de luta e transformação nos próximos 4 anos das câmaras legislativas espalhadas pelos mais de 5.570 municípios do Brasil. O dia seguinte do que pode ter sido uma das maiores eleições da história, começa com o entendimento de que o ativismo de mulheres negras se alimenta de perdas, ganhas e conquistas cotidianas, passos coletivos repletos de ancestralidade e força que hoje rumam para os desafios que permeiam a existência negra na sociedade brasileira.

As mulheres negras eleitas neste ano passaram por um período adverso onde por muitas vezes viram suas campanhas na iminência de não ocorrer, depois, quando finalmente conseguiram colocá-las na rua, viram-se atacadas de diversas formas, sem financiamento, apesar das recentes conquistas precisaram se reinventar e fazer acontecer algo gigantesco. Apesar disso, hoje damos um novo passo rumo à construção de políticas públicas a nível municipal e ao feito de uma política que só mulheres negras são capazes de construir.

Na pesquisa “Para Onde Vamos”, realizada pelo Instituto Marielle Franco em parceria com o movimento Mulheres Negras Decidem, conseguimos visualizar que a presença de mulheres negras liderando ações de transformação cotidiana segue mesmo diante do mar de desigualdades que elas estão submersas na sociedade brasileira, mulheres negras estão, também, construindo soluções e formas de saída desses cenários nos quais elas são postas. Evidenciando o que nossa referência Sueli Carneiro (2003) aborda em sua escrita, o movimento de mulheres do Brasil é uma referência fundamental no processo de democratização do Estado brasileiro, são nossas mulheres que produzem inovações importantes no campo da promoção de políticas públicas e transformação social.

Alinhado a esta constatação, cabe dizer que o dia de hoje por si só já traz um misto de sentimentos que guardo comigo desde o dia em que soube que minha irmã, Marielle, tinha partido desta vida por conta da violência daqueles que achavam que sua luta poderia ser interrompida. Sentimentos que vão desde a dor da ausência por não assistir sua reeleição na data de ontem, mas também que passaram pela satisfação de assistir à potência e força de dezenas de mulheres negras que se inspiram no legado e princípios de Marielle alcançarem os pleitos que minha irmã lutava tanto para defender e fortalecer.

Dito isto, espero que nesses próximos quatro anos você, assim como eu, acompanhe, proteja e fortaleça o maior legado que essas mulheres podem deixar para o nosso país: a (re)existência política cotidiana negra. Que o “fazer Marielle” seja nosso sul e norte, que este ativismo que a partir do ano que vem ocupará as câmaras municipais do país, floresça e se torne a raiz que irá fomentar as mudanças que precisamos ver acontecer. Como já disse Angela Davis, “mulheres negras representam o futuro, mulheres negras são a esperança de liberdade”.

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